OPINIÃO

O livre arbítrio é uma ilusão

16/04/2024 | Tempo de leitura: 4 min

Eu percebi que eu não sou livre. Tudo o que fiz e faço é resultado de uma rede de causalidades que me cerca. Como ensina Espinosa: a liberdade de escolha é uma ilusão. E para que eu seja mais claro, serei obrigado a apresentar antes um contraponto, uma ideia contrária à ideia de Espinosa. Vem comigo até a Grécia antiga para desbravar a moral aristotélica.

Para o filósofo grego, moral é a possibilidade de deliberar livremente sobre uma ação contingente. O que ele quer dizer com isso? Que moral é refletir livremente sobre fazer ou não fazer alguma coisa. E assim que tomada a decisão, essa escolha deve ser contingente, ou seja, poderia ser outra a não ser a que você escolheu. Vou descomplicar com um exemplo.

Imagine que você esteja na última prova do seu curso que é da modalidade EaD (Ensino à Distância), por conta das aulas online, você pode fazer toda a prova olhando as respostas no Google. Mesmo com a advertência do professor de que era proibido esse tipo de atitude, não há ninguém te vigiando e ao se deparar com uma pergunta que você não faz a mínima ideia da resposta você tem duas escolhas: colar e acertar a questão ou não colar e prejudicar sua nota. Essa deliberação segundo Aristóteles é livre, pois não há nenhuma interferência externa, não há professores ou ninguém te vigiando fazendo você escolher, obrigatoriamente, por não colar. Como você está liberto da fiscalização, você tem a chance de escolher livremente. Um diálogo entre você e você mesmo.

Para Espinosa isso jamais poderia acontecer, pois você nunca é livre para escolher, mesmo não tendo ninguém para vigiar a sua escolha. Nossa existência não é marcada pela contingência, ou seja, pela possibilidade de ser outra, como sugere o filósofo grego. Nossa existência, segundo Espinosa, está marcada pela necessidade. Isso significa que nossa existência só é como poderia ser.

Vamos pegar a mesma situação. Você está diante de uma prova online e não sabe a resposta de determinada pergunta. Você foi advertido pelo professor que não era permitida a cola e você está em um lugar que não há nenhum tipo de fiscalização. Duas opções são colocadas para você: colar e acertar a questão ou não colar e prejudicar a sua nota. A opção que você escolher, independente de qual seja, não poderia ter sido outra. Você foi condicionado a escolher a primeira ou segunda opção.

"Não, mas espera aí. Eu escolhi sim!"

Sim, você escolheu. Jamais neguei isso. O que Espinosa diria para você é: você não foi livre para escolher. E aí que está o ponto. Para o filósofo nós somos seres inscritos na natureza, como leões marinhos, pardais, cogumelos, goiabeiras e bromélias, nós fazemos parte da natureza e, portanto, somos regidos pelas mesmas leis, regras e condições. Ou o que chamamos de "rede de causalidades" que é nada mais nada menos do que "dada as condições, só isso poderia acontecer".

Perceba todas as coisas que você fez e tente traçar a rede de causalidades que te levaram a fazê-las. Por mais distante que você tente chegar, nunca será o suficiente, pois para isso você teria que ter uma visão ampliada de todo o universo. A mais pequena ação no mais distante local te condicionará a fazer o que você só poderia ter feito. Se duvida disso, imagine se em 2018 eu dissesse para você que em dois anos você teria que usar máscara ao sair de casa porque um homem do interior da China resolveu comer um pangolim no jantar? A sua escolha em usar máscara pode ter começado com a ideia de jantar que esse chinês teve. E a ideia de jantar que esse chinês teve pode ter começado com uma antiga tradição oriental de centenas de anos atrás. E assim por diante… Bem "efeito borboleta", né?

É que nós, seres humanos, nos achamos especiais. Especiais ao ponto de acharmos que não fazermos parte da natureza como leões marinhos, pardais, cogumelos, goiabeiras e bromélias. E que essas redes de causalidades não nos afeta e que somos sim livres para escolher.

Pergunte-se agora mesmo quais condições te levaram a escolher ler esse texto. Com um pouco de humildade, você verá que dadas infinitas condições, você chegou aqui e escolheu correr os olhos por essas linhas. Dadas essas condições, você só poderia estar lendo esse texto agora.

Conhecimento é Conquista.

Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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