No ano de 2007, nas minhas andanças pelo Brasil, fui contratado para atuar como advogado na Vila Distrital de Monte Dourado no Estado do Pará, em plena região amazônica, onde funcionava o Projeto Jari Celulose, que leva esse nome por que foi implantado as margens do Rio Jari, que é um afluente do Rio Amazonas, iniciado no Brasil em 1967, pelo norte-americano Daniel Ludwig, atingindo uma área territorial de aproximadamente 3 milhões de hectares.
O que me chamou atenção quando desembarquei em Monte Dourado foi o desenvolvimento social e estrutural da Vila Distrital de Monte Dourado, desde o aeroporto, operado por Gol, Latam, dentre outras companhias, até as casas amplas em estilo americano, bons mercados, vias, calcamentos, telefonia celular, internet, parecia realmente que estava andando num bairro norte americano. Porém, essa estrutura somente era disponibilizada para os funcionários do Projeto Jari, quem quisesse morar lá tinha que pedir autorização para Empresa, ou sublocar um imóvel de algum funcionário.
Acontece que, atravessando o Rio Jari, que tinha 400 metros de largura e era a divisa do Estado do Pará com o Estado do Amapá, ou seja, da Vila Distrital de Monte Dourado até o Município de Laranjal do Jarí, Estado do Amapá, eu pude presenciar a maior disparidade social que alguém poderia imaginar, pobreza extrema, pessoas morando em palafitas nas margens do Rio Jari, sem qualquer saneamento básico, onde o cômodo do banheiro era um buraco de desembocava diretamente no rio, ou seja, pessoas morando em situação de risco onde não se via em nenhum aspecto a atuação do poder público.
Nesse ambiente de miséria, onde as pessoas não tinham no bolso 50 centavos para pagar uma xerox, as mulheres, logicamente sem trabalho, se viam diante de três opções: mendigarem, que já faziam, e se prostituírem, que também já faziam, e depois prostituírem suas próprias filhas e filhos, num ambiente de exploração sexual infantil sem precedentes.
Em Laranjal do Jari, existia um único restaurante, onde valia a pena experimentar o ensopado de peixe e no qual estive presente, e na frente da peixaria as mães se aglomeravam atrás dos turistas, oferecendo descaradamente suas filhas e filhos para exploração sexual infantil por R$ 10 ou gramas de ouro, também uma das moedas do local. Lá dentro do restaurante quem me passou mais informações foi o próprio garçom que me atendeu, dizendo que existia toda uma cadeia preparada para a prostituição de crianças, desde o taxista que levava o turista para o motel e depois ia juntamente com a mãe levar a criança, com a conivência do proprietário do motel, logicamente. E, ao terminar a exploração sexual, o mesmo taxista deixava o turista na margem do Rio para atravessar para Monte Dourado.
E quantas e quantas vezes isso não ocorreu desde 2007 até os dias de hoje, ou seja, 17 anos de exploração sexual infantil, sem falar no tráfico de órgãos e crianças? E o Estado, onde fica nessa situação? Todos sabiam, era facílimo saber como o esquema acontecia, mas a presença do Poder Público era zero.
Que fique de alerta às autoridades do nosso país quanto a essa lamentável realidade, para que as políticas públicas cheguem nesses locais e atuem intensivamente, para prender os autores desses crimes bárbaros e a cadeia de prostituição infantil seja desmantelada em toda a Amazênia e Nordeste brasileiro. E isso ninguém me falou, ou vi como os meus próprios olhos!
José Roberto Charone é advogado (charoneadvogados.com.br)