OPINIÃO

'Poder Cultural'

31/01/2024 | Tempo de leitura: 3 min

Reveladas as indicações ao Oscar 2024, público e membros da equipe de "Barbie" passaram a criticar a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas pelo "esquecimento" de Margot Robbie na categoria de melhor atriz e Greta Gerwig na de melhor direção. O escolhido para fazer o comunicado à imprensa foi o ator Ryan Gosling, indicado a coadjuvante.

O que o ator e todos os envolvidos com a empreitada da boneca rosa nas telonas diziam, nas entrelinhas, é que ao filme não podia faltar o "carimbo" final para sua consagração. Todos que acompanham o mundo do cinema sabem que, desde que o Oscar passou a ter dez indicados a melhor filme e não mais cinco, o "carimbo" da qualidade artística (para além da boa acolhida do público) reside em outras categorias, sobretudo na de direção.

O caso ocorreu enquanto eu lia "Poder Cultural", novo livro de Franthiesco Ballerini, que acaba de chegar às livrarias pela Summus Editorial. Foi impossível não traçar paralelos: a maior bilheteria do ano, o filme mais comentado, o evento cultural que fez muita gente vestir rosa não bastavam para os donos de "Barbie". Era preciso o reconhecimento dos pares da Academia para sua cineasta e sua atriz central (que estava muito melhor em "Babilônia", no ano anterior, pelo qual poderia ter sido indicada e não foi).

"Poder Cultural" é um exercício que merece atenção, um estudo de fôlego sobre um tipo de poder difícil - ou impossível - de quantificar. Um ensaio ousado que sempre nos leva a novas perguntas (o que não é ruim, pelo contrário). Um livro que traz os mais diferentes exemplos de como a indústria cultural e os artistas operam e como se dão os mecanismos de estabelecimento do poder cultural na sociedade. Passamos por nomes famosos - chancelados pelo que chamei acima de "carimbo" - como Sofia Coppola, Hayao Miyazaki, Tom Cruise e inclusive de brasileiros como Antônio Fagundes, cujo poder cultural, como explica Ballerini, não passa apenas pelas várias novelas na tevê aberta, mas também pelo teatro.

Chama a atenção a mistura e as referências ao longo do livro: a base filosófica em autores como Pierre Bourdieu, Edgar Morin, Michel Foucault, por conceitos que norteiam análises (como "poder simbólico" e "poder suave") e com estudos de casos que trafegam por grandes marcas como Netflix e Rede Globo, também por artistas variados como Maurício de Sousa, Helena Solberg, Brad Pitt e Adriana Esteves.

Ainda no início do livro, incomoda-me o peso que Ballerini confere aos críticos de arte. Será que eles realmente têm, hoje, o poder que o autor indica? "A crença na legitimidade do poder cultural passa, portanto, pela intermediação do crítico", observa, para depois dizer que o termo já está ultrapassado, "pois no século 21 deve incluir os influenciadores digitais, que às vezes têm mais poder de consagração do que os críticos de jornais e revistas tradicionais".

O peso do crítico varia de país para país. No Brasil, por exemplo, sua influência na bilheteria ou na chancela de uma obra é cada vez mais discutível. Seu poder será mais sentido entre seus pares, artistas e profissionais das artes, entre o público intelectualizado. Quanto ao segundo ponto, penso que o autor erra em cheio ao misturar o crítico com o influenciador digital. Ainda que de algum modo exerça influência, a função primeira do crítico não é essa. E é importante pontuar que boa parte dos influenciadores - inclusive os mais famosos - tem como foco não o pensamento crítico, mas o mero entretenimento e a busca por visualização.

A certa altura do livro, deparamo-nos com o nome de Shah Rukh Khan. Àqueles que não consomem o produto de Bollywood, fica a pergunta: quem é Shah Rukh Khan? Trata-se do ator mais famoso da Índia. Em seu estudo, Ballerini conclui que o astro em questão é mais poderoso que Brad Pitt. A conclusão, diz o autor, está relacionada à "decisão de Pitt de não se comunicar diretamente com seu público pelas redes sociais", ao contrário do indiano. Não duvido que Ballerini tenha, aqui, acertado em cheio. Sinal dos tempos.

Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista; escreve em palavrasdecinema.com; contato em ramaral@jj.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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