Opinião

Pacotes da vida

14/07/2023 | Tempo de leitura: 2 min

Muitas vezes pecamos em não preservar as memórias de tantos personagens populares, tantas vezes ignoradas nas ruas, mas repletas de intrigantes histórias da vida. São indivíduos que adotaram estilos de vidas tão singulares como estranhos.

Lembram-se do João Carnavalesco, irremediável figura, dizia que o endereço do seu escritório era o Largo da Matriz, sem número.

Recordo no final dos anos 60, a figura franzina e de pele escura, de uma pobre moça, que ganhou popularidade entre os frequentadores da tradicional Paulicéia. Recebia uns trocados, todas as noites, ao cantar canções da "jovem guarda", insinuando em mexer nas cordas de um pequeno violão de brinquedo. Desafinada e desalinhada, sua empatia com a moçada, lhe valeu o carinhoso apelido de "Vanderleia", cantora musa daquela geração dos cabelos longos.

Outro foi a pessoa do Getulinho. A alcunha veio por adotar um estilo de vida peculiar. Onde encontrava pessoas reunidas num gesto cordial, tomava posição de "sentido", erguia o braço direito com o punho cerrado e dizia: "Getúlio Vargas não morreu".

Tinha o Amaral e sua bicicleta. Circulava diariamente no meio do trânsito, todo paramentado de ciclista. Figura conhecidíssima. Nunca reclamava da vida. Dizem uns que morreu atropelado, outros, no entanto, afirmam estar com vida, sem, contudo, não mais andar de bicicleta.

Lá para trás, um pouco mais distante, quando ainda a Praça da Matriz guardava seu entorno original, vamos nos deparar com o mito de um engraxate. O bom "crioulinho", conhecido pela expressão "Fala Moço", pois a todos chamava de "fala moço". Pobre, a tradição popular diz que foi sepultado pelas mãos da Maçonaria.

O nosso saudoso "Coluninha" fez história em frente ao prédio da Telefônica. Sempre com o sorriso amigo, comentava das novidades do seu amado Paulista e das carinhosas mensagens do Afonso Pereira.

E o caso do "Valdemar Tomba", casamento que se tornou conhecido por todo o Brasil devido ao programa de televisão do "Homem do Sapato Branco".

A fantasiosa história de Maria dos Pacotes. A mulher que carregava consigo inúmeros pacotes. Diz a narrativa imaginosa que "Maria dos Pacotes" foi abandonada no altar e os pacotes representariam os presentes recebidos e perdidos.

O que sempre intrigou foi o estilo de vidas destes personagens urbanos. São histórias vividas, que rendem reflexões. Histórias que se confundem com o natural de nossas condutas. Todas elas envoltas em mistérios e tristes ilusões. Eram felizes ou não. Tinham fé ou não. Acreditavam ou não. Amavam ou não. Certos ou errados nunca perderam a essência desta vida, que é viver.

Assim como, no entendimento do imaginário popular, cujas metáforas com os pacotes, que a andarilha Maria carregava, insinuavam a revelação de seus segredos mais íntimos, como não pensar, diante de nós mesmos, de uma forma ou outra, que também carregamos, ainda que não se possa revelar, nossos pacotes cheios de sonhos, frustrações e desejos.

Guaraci Alvarenga é advogado (guaraci.alvarenga@yahoo.com.br)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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