TRABALHADOR

Apesar de avanços, CLT ainda é tema frágil e vive 'retrocessos'

Consolidação das Leis do Trabalho completa 80 anos amanhã (1º); para especialistas, reforma de 2017 acelerou perdas de direitos

Por Redação | 30/04/2023 | Tempo de leitura: 5 min

Divulgação

Francisco Macena (Trabalho e Emprego), em reunião nesta semana
Francisco Macena (Trabalho e Emprego), em reunião nesta semana

Uma das normas mais conhecidas e longevas do Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) completa 80 anos nesta segunda-feira (1º). Ela garante aos trabalhadores uma série de direitos, como jornada diária máxima de oito horas, descanso semanal remunerado, férias, pagamento de hora extra, atuação em ambiente salubre, aviso prévio, licença-maternidade e paternidade, 13º salário, proteção contra demissão sem justa causa e seguro-desemprego.

O Decreto-Lei da CLT foi assinado por Getúlio Vargas em 1º de maio de 1943, e surpreendeu por resistir à mudança dos tempos. No início quase exclusiva para os operários da indústria, aumentou seu alcance com o passar do tempo até englobar todo tipo de trabalhador. Em 1988, diversas das proteções trabalhistas inscritas no documento passaram a fazer parte da Constituição, ganhando o status de direitos sociais.

Essa bonança, porém, logo mudaria. Especialistas avaliam que, hoje, a octogenária CLT vive o pior momento de sua história, com retrocessos como a "uberização" (o trabalho por meio de aplicativos) e a "pejotização" (em que o trabalhador atua não como pessoa física, com carteira de trabalho assinada, mas como pessoa jurídica), além da ampla reforma trabalhista levada a cabo em 2017, pelo governo Michel Temer. "Nos últimos 80 anos, os brasileiros nunca estiveram tão vulneráveis à exploração no trabalho quanto agora. Nas discussões da reforma trabalhista, falou-se muito que o Brasil estava desconectado do restante do mundo e que era necessário modernizar as leis do trabalho. Foi um argumento falacioso. O que se fez, na verdade, foi precarizar a situação do trabalhador para aumentar o lucro do empregador", aponta o doutor em direito trabalhista Renato Bignami, um dos diretores do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).

A reforma trabalhista (Lei 13.467) estabeleceu que os acordos coletivos agora têm liberdade para prever condições de serviço que antes eram inaceitáveis por lei em relação a pontos como jornada de trabalho, banco de horas, intervalo de alimentação e até grau de insalubridade do ambiente.

Outra mudança foi a criação da figura do trabalho intermitente. Isso significa que o trabalhador pode ficar permanentemente à disposição do patrão para serviços que só aparecerão ocasionalmente. Especialistas consideram precário esse tipo de trabalho porque o empregado não recebe salário nos períodos em que não trabalha, à espera de ser chamado.

Bignami lembra que, ao lado da necessidade de modernizar a legislação, outro argumento utilizado para sustentar a reforma trabalhista de 2017 foi a urgência de se criarem postos de trabalho, dado o contexto de crise e desemprego. Afirmou-se que a CLT previa direitos demais, o que encareceria a contratação de mão de obra e desencorajaria a atuação dos empresários. "Esse foi mais um dos argumentos descaradamente falaciosos. A função das leis trabalhistas não é criar postos de trabalho", ele refuta. "Emprego é criado quando o governo cuida adequadamente da economia do país e estimula atividade produtiva. A função das leis trabalhistas é, na realidade, proteger o ser humano da exploração no trabalho, garantindo que ele tenha bem-estar e qualidade de vida e que a sociedade como um todo progrida."

O juiz trabalhista Luiz Antonio Colussi, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), concorda. Ele diz que a reforma trabalhista, ao contrário da promessa, não diminuiu o desemprego do Brasil. "Essa história de que as empresas não suportariam o custo dos direitos trabalhistas é velha. Na época em que se propôs o 13º salário, nos anos 1960, os empresários se opuseram duramente à medida alegando que era dinheiro demais a ser pago e que acabariam indo à falência. Obviamente, a previsão catastrofista não se confirmou. Pelo contrário, os empresários passaram a lucrar mais, já que o salário extra na mão do trabalhador no fim do ano estimulou o consumo, o comércio e a indústria."

A advogada Gabriela Neves Delgado, professora da Universidade de Brasília (UnB) e autora do livro Direito Fundamental ao Trabalho Digno, avalia que, por outro lado, as mudanças de 2017 não representam uma derrota definitiva. "O direito é, por natureza, um espaço de luta constante. Existe muito espaço para que nós, os intérpretes da lei, atuemos. A nossa missão é não permitir que a CLT deixe de ser um instrumento bem-sucedido de proteção do trabalhador, de inclusão econômica e social e de cidadania."

O QUE SE FALA HOJE

Em reunião realizada no último dia 24 entre representantes sindicais e lideranças empresariais, Francisco Macena da Silva, secretário-executivo do Ministério do Trabalho e Emprego afirmou que, por parte do governo federal, não há intenção de realizar uma nova reforma trabalhista, mas, sim, de fortalecer as negociações em busca de consenso, além de reduzir a "fragmentação" da representação sindical. "Eu quero tirar os ruídos do caminho. Não há intenção de se fazer uma nova reforma, mas de fortalecer que ambas as partes envolvidas [nas relações trabalhistas] entrem em um acordo."

Na ocasião, Silva explicou que o governo montou um grupo de trabalho para diálogo a respeito das relações sindicais e dos processos de negociação coletiva. O secretário lembrou que a expectativa de uma resolução em uma mesa de negociação entre as partes mobiliza até mesmo o Poder Judiciário, pela quantidade de passivos trabalhistas que avançam na Justiça.

Silva ainda destacou que o Ministério do Trabalho deve rever suas portarias internas que tratam da questão da representação sindical. "Há uma dispersão muito grande da representação sindical, e isso não favorece os empregadores, pois muitas vezes não sabem com quem negociar; ou ainda ocorre de que, quem senta à mesa de negociação [com eles], muitas vezes não tem representatividade. Vamos perseguir isso com muita insistência", reforçou.

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