PÓS-DITADURA

‘Diretas Já’: 40 anos de um passado nunca mais esquecido

Em 1983, movimento nacional pelo voto direto ganhava força até desembocar no grande comício de 1984

Por Mariana Meira | 02/03/2023 | Tempo de leitura: 3 min
Jornal de Jundiaí

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Praça da Sé, em São Paulo, no dia 24 de janeiro de 1984; quase meio milhão pediam pelo voto direto
Praça da Sé, em São Paulo, no dia 24 de janeiro de 1984; quase meio milhão pediam pelo voto direto

Neste exato dia, 2 de março, há 40 anos, o então deputado Dante de Oliveira apresentava uma emenda com o objetivo de restaurar a eleição direta para presidente. O documento tinha a assinatura de 199 congressistas, o suficiente para ser apresentado ao Congresso.

Era a sedimentação do movimento Diretas Já, que logo atrairia o apoio de políticos da oposição à ditadura e de vastas camadas da população — com participação decisiva inclusive da imprensa.

A campanha ganhou as ruas do país de novembro de 1983 a abril de 1984, quando a emenda que tramitava na Câmara foi derrotada. O dia 24 de janeiro, data do aniversário de São Paulo, foi o marco histórico do movimento, quando, em um comício na Praça da Sé, local onde foi fundada a capital paulista, meio de milhão de pessoas gritavam em uníssono: “Um, dois, três, quatro, cinco, mil. Queremos eleger o presidente do Brasil!”.

Era apenas o estopim de uma cadeia de participações populares que também haviam passado por Olinda (PE), Curitiba (PR), Porto Alegre (RS), Salvador (BA) e Vitória (ES).

O jundiaiense Pedro Fávaro Júnior completava um ano como repórter de um grande jornal local quando foi escalado para ir cobrir o evento. Junto com um fotógrafo, ele partiu de Jundiaí rumo a São Paulo por volta das 14h da tarde e só retornou à noite, com material o bastante para encher três páginas da edição do seguinte. “Me lembro que, quando cheguei lá, o que me deixou muito impressionado foi a multidão que estava ali. Eu nunca tinha visto aquilo em nenhum lugar do mundo”, relembra o jornalista, hoje com 69 anos.

Ele conta que a movimentação era tão intensa, que ele e o colega não conseguiram uma credencial para subir ao palanque, o que fez o fotógrafo ter que subir em uma árvore para conseguir fazer os cliques. “Só depois, com ajuda de um político, é que pudemos subir. E lá vimos muita gente, como Ulisses Guimarães e Osmar Santos”, emenda.

TRUCULÊNCIA

Os gritos por democracia na Praça da Sé eram uma tentativa de respirar fora de uma bolha histórica marcada pelos resquícios da ditadura militar. Naquele 1984, o governo estava enfraquecido politicamente, mas ainda deixava feridas abertas de um longo período de governo comandado por generais.

Pedro se recorda de suas idas diárias à faculdade, em 1974, quando evitava carregar livros para não ser agredido pela polícia no caminho. “Eram cerca de quatro revistas a cada trajeto. Ninguém me perguntava o que eu estava carregando nas mãos; simplesmente me mandavam deitar no chão e me revistavam todo”, diz.

Quando foi cobrir o comício, dez anos depois, compreendeu os atos desesperados de alguns militantes na manifestação. “Era uma revolta compreensível, porque a violência havia sido muito”, defende. Mesmo derrotada na Câmara, a emenda apresentada em 1983 impulsionou o processo de redemocratização e de conquistas da Constituição de 1988, legado recentemente atacado por ameaças autoritárias, como a invasão das sedes dos três Poderes em 8 de janeiro.

E mesmo em tempos em que a intolerância, o ódio, as fake news e a polarização política ainda predominam no Brasil, Pedro insiste em apertar o play em sua trilha sonora - atemporal - da resistência. “Fico com a música ‘O que será à flor da pele’, de Chico Buarque e Milton Nascimento”, relembra, cantarolando o verso “o que não tem governo, nem nunca terá”.

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