O que mudou?

23/12/2022 | Tempo de leitura: 3 min

Chegamos ao final de mais um ano, com destaque às turbulências decorrentes dos efeitos desastrosos da pandemia, que deixou muitas e muitas famílias enlutadas; outras tantas experimentando as sequelas que essa doença deixou, passando pelo  processo eleitoral, no qual deparamos com perdas de amizades de infância, famílias em desentendimento pelo só fato de alguns de seus integrantes nutrirem opiniões diferentes as quais geraram atos de depredação e violência totalmente desnecessárias, com ofensas de parte a parte; chegando à Copa do Mundo que, de certa forma, acalmou os ânimos de bom número de pessoas.

Apesar de tudo isso e muito o mais aqui não relatados, outros fenômenos mantiveram seus indicadores e infelizmente com aumento, como, por exemplo, os ligados ao feminicídio, no qual constatamos quatro mortes por dia, sem esquecer das lesões corporais em número tão elevado quanto. De mesmo modo, os atos racistas e de intolerância religiosa aumentando sem justificativa plausível, salvante o amparo em que muitos se justificam a partir da instigação da violência provocada por políticos ou religiosos radicais classificados até como "desumanos".

Nessa linha de raciocínio, retomo o assunto, no sentido de que todos esses atos não são punidos por interesses próprios e distanciamento abissal da realidade, haja vista que ferramental jurídico é suficiente a punir e coibir tantos abusos, certamente pela distorção da história e do processo escravocrata com reflexos até os dias atuais.

Tratando da escravidão africana, reconhecida como "crime contra humanidade", pela Conferência Mundial de Durban em 2001, atualmente em julgamento pela Corte Internacional de Haia, na Holanda, tanto que o primeiro Ministro Holandês, em pronunciamento público de alcance mundial afirmou: " Hoje peço desculpas ... durante séculos o Estado holandês e seus representantes permitiram e estimularam a escravidão e lucraram com isso. É verdade que ninguém vivo hoje carrega qualquer culpa pessoa pela escravidão. ( No entanto) o Estado Holandês carrega responsabilidade pelo imenso sofrimento que foi feito para aqueles que foram escravizados e seus descendentes."

É bom lembrar também que, em 1992, o Papa João Paulo II pediu perdão pela escravidão; a CNBB, em 1995, acompanhado recentemente pelo Papa Francisco. A igreja reconheceu o odioso comércio de gente.

O mundo reconheceu que a escravidão africana foi tão ou mais cruel que o holocausto e, infelizmente, deparamos com pessoas glamourizando todo o processo, além de desqualificar os grandes feitos, exemplos de superação e conhecimentos trazidos pelos africanos e seus descendentes.

Nos últimos tempos vimos crescer as ofensas raciais, religiosas, de gênero, de orientação sexual, diretamente relacionada a monstruosa desigualdade e as autoridades que podem modificar esse quadro e diminuir tais indicadores simplesmente ignoram as providencias cabíveis, a uma por absoluto desconhecimento e distanciamento da realidade, a duas por eventual medo da perda de privilégios, a três por nem imaginarem o que se já empatia, a quatro por compartilhar as mesmas posturas dos ofensores, a cinco por ignorar o que se seja dignidade da pessoa humana. LAMENTÁVEL!

Já disse que só quem é sabe o que é ser e o desrespeito a diversidade aumenta a desigualdade exatamente pela observação ao binômio "direito de fala" e "lugar de fala" posto que podemos falar de tudo e sobre tudo, todavia o lugar da fala só cabe a quem é.

Assim, por exemplo, no quesito pessoa com deficiência, somente tais pessoas é que podem falar; no quesito mulher, somente elas; no referente aos negros/as somente tais integrantes. Não faz sentido algum o branco falando e/ou tratando da questão do preto/a !

As repetidas ofensas raciais são interpretadas como fatos de somenos importância, que se trata de drama e que é apenas uma "brincadeirinha" ou "mimimi". Esse olhar dificulta em muito a construção e entrega de políticas púbicas e aplicação da lei, pois, como dito acima, as "autoridades" estão muito longe da realidade e enxergam as coisas e fatos a partir da própria imagem.

O que mudou? Pelo visto apenas o calendário!

Eginaldo Honorio é advogado, doutor Honoris Causa e conselheiro estadual da OAB/SP (eginaldo.honorio@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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