Há quase vinte anos, no mês de outubro, uma mulher de 50 anos apareceu em meu escritório. Animadora de festa infantil, chegava sempre com roupas coloridas e cada vez com uma peruca diferente de tom vibrante de palhaça. Por trás do sorriso, escondia uma notícia devastadora: um câncer agressivo, já com metástase óssea.
O detalhe mais doloroso? Ela não tinha consciência da gravidade. O INSS, como se fosse um especialista em milagres, decidiu que ela estava apta ao trabalho e negou o benefício por incapacidade. Mesmo com dores e todas as dificuldades que o tratamento exige, ela continuava trabalhando para não passar fome.
Ao ingressarmos com ação na Justiça, foi a primeira vez que vi uma Juíza conceder uma liminar antes mesmo da perícia judicial, reconhecendo a incapacidade e autorizando que ela já começasse a receber o benefício imediatamente. A própria Juíza disse que não costumava fazer isso. Mas, naquele caso, imagino que tenha se enxergado na história daquela mulher.
Lembro-me bem de uma cena: uns dias antes, a cliente chorava no escritório, aflita, porque alguém no ônibus havia lhe explicado o que era metástase e que aquilo significava morte. Eu a acalmei com um copo de água com açúcar e disse: “A medicina está avançando, doenças que não tinham cura hoje já têm tratamento”.
Ela acreditou, respirou fundo e, no dia seguinte, mostrou a nova peruca verde para animar festas. Viveu mais algum tempo, sem realmente saber da gravidade da doença. Infelizmente, não chegou a ver o fim do processo, mas pôde usufruir de parte do seu direito e, sobretudo, manteve a esperança até o fim.
Essa história me marcou porque mostra dois lados da mesma moeda: às vezes a informação é libertadora, às vezes é pesada demais. Mas, em todos os casos, o que não se pode perder é a dignidade e o direito.
Os tipos de câncer que mais atingem as mulheres
Quando falamos em câncer feminino, logo pensamos em câncer de mama. E não é à toa: ele é o mais comum no Brasil e no mundo. Mas, infelizmente, não está sozinho:
• Câncer de colo do útero: ligado ao HPV, prevenível com vacina e Papanicolau.
• Câncer colorretal: cresce devido à má alimentação, sedentarismo e obesidade.
• Câncer de pulmão: consequência direta do tabagismo, mas também de fatores ambientais.
• Câncer de tireoide: mais comum em mulheres jovens, entre 30 e 50 anos.
• Câncer de ovário e endométrio: silenciosos e muitas vezes diagnosticados tarde.
O cardápio não é nada apetitoso, eu sei. Mas fingir que não existe não vai fazê-lo desaparecer.
Fatores de risco: a lista que ninguém quer ler
• Sedentarismo, má alimentação e obesidade.
• Tabagismo e consumo de álcool.
• Histórico familiar e fatores genéticos.
• Alterações hormonais (anticoncepcionais, reposição hormonal, menopausa tardia).
• Exposição ocupacional a produtos químicos, pesticidas, poeiras minerais e radiação solar.
• Trabalho noturno prolongado, que altera a produção hormonal e aumenta risco de câncer de mama.
Em resumo: aquela vida corrida, cheia de estresse e maus hábitos, é quase um convite para que o câncer se sinta em casa.
Prevenção: pequenas escolhas que salvam vidas
• Alimentação equilibrada e atividade física regular.
• Vacinação contra HPV.
• Papanicolau (25 a 64 anos), mamografia (40 a 69 anos) e colonoscopia (a partir dos 50).
• Uso diário de protetor solar.
• Abandono definitivo do cigarro.
A boa notícia é que a prevenção está em suas mãos. Não é sobre virar atleta olímpica, mas sobre fazer escolhas inteligentes.
Tratamento: cada vez mais eficaz
O tratamento depende do tipo e estágio da doença, mas hoje há muitas opções:
• Cirurgia para retirada do tumor.
• Quimioterapia e radioterapia.
• Terapias-alvo que atacam mutações específicas do tumor.
• Imunoterapia, que fortalece o sistema de defesa.
• Hormonoterapia em casos de tumores dependentes de hormônios.
E quanto mais cedo o diagnóstico, maiores as chances de cura e menores os efeitos colaterais.
Direitos da mulher com câncer
Aqui está a parte que pouca gente fala, mas muita gente precisa saber. O câncer, além de um desafio físico e emocional, abre portas para uma série de direitos previdenciários, trabalhistas e tributários:
1. Auxílio-doença e aposentadoria por invalidez (INSS): pagos quando a doença impede o trabalho. Se houver relação com o trabalho, o benefício é acidentário e garante estabilidade de 12 meses após o retorno. Vale destacar que o câncer não possui carência. Isso quer dizer que se você começou a trabalhar e no mês seguinte descobriu um câncer, já pode buscar o respectivo benefício por incapacidade na Previdência Social.
2. BPC/LOAS: para quem nunca contribuiu com o INSS ou perdeu a qualidade de segurado e está em situação de vulnerabilidade. O valor do benefício é de um salário-mínimo por mês.
3. Saque do FGTS e PIS/Pasep: permitido para a paciente e também para cônjuges e filhos do paciente de câncer.
4. Aposentadoria da Pessoa com Deficiência (PCD): regras diferenciadas, com menos tempo de contribuição ou menos idade. Nessa hipótese, dá para aposentar por tempo de contribuição até 10 anos antes (ou seja, a partir de 20 anos de contribuição para mulheres). Já a aposentadoria por idade é aos 55 anos para as mulheres (nesse caso, é preciso que o problema tenha pelo menos 15 anos, também).
5. Isenção de impostos na compra de veículos (IPI, ICMS, IOF e IPVA): para mulheres com limitações de mobilidade após o câncer.
6. Isenção de IPVA: em vários estados, concedida a quem ficou com deficiência decorrente do câncer.
7. Isenção de Imposto de Renda (IR): sobre aposentadorias, pensões e reformas. Quem teve câncer, fica livre do leão do IR sobre benefícios previdenciários. Vale, inclusive, para Previdência Privada.
8. Tratamento gratuito no SUS: incluindo medicamentos de alto custo e transporte em alguns casos.
9. Cirurgia de reconstrução mamária: garantida por lei, no SUS e nos planos de saúde.
10. Direitos trabalhistas: estabilidade, indenizações e FGTS pago durante afastamento acidentário, isto é, quando a doença teve origem ou agravou-se em razão do trabalho.
11. Quitação em Financiamento Imobiliário: muitos financiamentos de imóveis costumam ter uma espécie de seguro prestamista, que permite a quitação no caso de invalidez e/ou doenças consideradas graves (dentre elas, o câncer). Isso quer dizer que a parte do financiamento do paciente de câncer poderá ser quitada.
Câncer como doença do trabalho: quando é e quando não é
Há alguns tipos de câncer que podem ser considerados ocupacional, isto é, surgiram ou agravaram em razão do trabalho. Isso ocorre quando existe nexo causal com o ambiente de trabalho. Exemplos:
• Amianto → câncer de pulmão e mesotelioma.
• Benzeno → leucemias.
• Pesticidas → fígado, pulmão, linfomas.
• Exposição solar intensa → câncer de pele.
Nesses casos, o benefício é chamado de acidentário, há estabilidade no emprego e a empresa pode ser responsabilizada.
Conclusão: informação é vida, direito é dignidade
O Outubro Rosa não é apenas sobre laços cor-de-rosa ou campanhas bonitas. É sobre mulheres reais, com histórias reais, que precisam de informação para salvar vidas e garantir seus direitos.
Não desista dos seus sonhos. Não desista dos seus direitos.
Porque o câncer pode até tentar tirar a força, mas não pode tirar a dignidade.
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E lembre-se: em caso de dúvida, procure sempre um advogado especialista de sua confiança.
Tiago Faggioni Bachur é Advogado e Professor Especialista em Direito Previdenciário. Autor de Obras Jurídicas
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