GAZETILHA

Um novo problema para a coleção

Por Corrêa Neves Jr. | Editor do GCN/Sampi
| Tempo de leitura: 6 min

"Se você não pode resolver um problema, então talvez você faça parte dele"

Goethe, escritor e cientista alemão

Os servidores públicos municipais de Franca, reunidos em assembleia neste último sábado, 22, decidiram decretar “estado de greve”. É um estágio anterior à paralisação propriamente dita e uma reação direta à tentativa da prefeitura de impor o reajuste anual sem que houvesse um acordo, via projeto protocolado na Câmara Municipal para ser votado em regime de urgência.

A operação deflagrada pelo Executivo não funcionou. Parte significativa dos vereadores recusou-se a colocar sua assinatura para que o projeto fosse discutido e aprovado pela via expressa na sessão da última terça-feira, 18. A manobra, ainda que frustrada, azedou de vez o clima que, de doce e suave, já não tinha nada. O “estado de greve” é o resultado direto desta operação desastrada e acrescenta mais um problema à já considerável coleção que atormenta o governo Alexandre Ferreira (MDB) neste início de mandato.

Nada surpreendente, este também foi gestado dentro do próprio gabinete. Era completamente evitável, absolutamente desnecessário e totalmente despropositado. O presidente do Sindicato dos Servidores, Fernando Nascimento, está longe de ser um exemplo de bom senso, mas nas negociações deste ano, não foi dele que partiu a intransigência. Nem foi ele que se mostrou inflexível. Nem coube a ele nenhuma tentativa de manobra canhestra. Todas as ações que resultaram nesta condição de pré-greve partiram dos representantes ou articuladores do prefeito Alexandre Ferreira.

Não vou entrar no mérito do nível salarial dos servidores, de benesses concedidas ao longo dos anos por distintos governos (como é o caso das tais “faltas abonadas”, de difícil compreensão para mim), nem na baixa arrecadação do município. Todos são fatos, contra os quais há pouco a fazer neste instante. Não há mágica que os solucione imediatamente, assim como não existe milagre que anule o direito de todas as categorias profissionais (formalizados) do Brasil a um reajuste anual.

Os termos e índices aplicáveis são definidos a partir de uma negociação. De um lado, os prepostos de quem emprega. Do outro, os representantes de quem é empregado. Quase sempre, prevalece o bom senso. Quando isso não acontece, vai para dissídio, que é quando a Justiça resolve os termos aplicáveis. A greve, justa ou injusta, é um direito dos trabalhadores neste processo.

E o que fez o governo Alexandre Ferreira neste ano? Cometeu erros em série. Para começar, o prefeito nomeou uma comissão de negociação que parece mais um pelotão de fuzilamento: o procurador geral do município, Eduardo Campanaro, a chefe de gabinete da secretaria de Finanças, Neide Lopes, e o secretário de Administração e Recursos Humanos, Peterson Facirolli. Independente de suas qualidades técnicas, nenhum deles é conhecido exatamente por suas virtudes diplomáticas.

Resultado direto desta primeira escolha, não houve avanço nas negociações. Zero surpresa. A proposta inicial do Executivo, de aplicar apenas a inflação acumulada no período (cerca de 5%), repetiu-se em todas as reuniões. Não melhoraram substancialmente nada. Nem no aumento aplicável ao salário, nem no cartão alimentação, nem em coisa nenhuma. A proposta inicial é praticamente idêntica à proposta final. A isso se pode chamar de muitas coisas mas, jamais, de uma “negociação”.

Se o exemplo vale alguma coisa, poderia a administração olhar para o que aconteceu com os sapateiros, onde houve uma negociação de fato e um acordo foi fechado. Ainda que os salários da categoria estejam longe de serem exuberantes, os sapateiros puderam comemorar um ganho real de 3,13%, resultando num aumento de 8% nos seus vencimentos, além de outros benefícios que foram mantidos ou ampliados.

Para piorar a tensão com os servidores municipais, mesmo havendo a convocação para uma nova rodada de negociação na última sexta-feira, 21, a prefeitura tentou usar os vereadores para se livrar do problema e mandou o projeto, sem concordância do sindicato, para votação na terça-feira anterior. Ou seja, em pleno andamento das supostas “negociações”, entre uma reunião e outra, algum gênio do gabinete achou que seria uma boa ideia forçar goela abaixo o reajuste usando os vereadores como “boi de piranha”. Os vereadores da atual legislatura parecem menos dispostos ao martírio voluntário do que seus anteriores e, como visto, não deu certo.

Desconheço se o prefeito Alexandre Ferreira gosta de truco mas, se a resposta for sim, acho que está longe de ser um jogador muito hábil. Essencialmente porque no truco importam as suas cartas; as do parceiro; entender as dos seus oponentes; e saber como convencer os adversários de que seu jogo é melhor. Nem sempre ganha que tem as melhores cartas na mão, mas sim, quem convence o adversário de que as tem – ainda que seja um blefe. Não é muito diferente da vida.

Nas negociações com os servidores, a comissão que representa Alexandre já mostrou todas as suas cartas. E mesmo com um jogo medíocre nas mãos, pediu truco. O sindicato tem pouco a perder. A proposta, de reposição inflacionária, já é o que a Justiça concederá, no mínimo. Não há grande prejuízo se os servidores levarem a discussão para o dissídio na Justiça. Nunca terão menos do que a inflação. Além disso, por mais que a prefeitura tente aterrorizar com a supressão de algumas benesses, não é crível que a Justiça simplesmente os elimine depois de terem feito parte de sucessivos acordos coletivos. Fernando Nascimento aceitou o desafio e dobrou a aposta. Respondeu ao “truco” da administração pedindo “seis”.

É mais um desgaste, certo, para o governo. A troco de quê? Não faço ideia. Seria tudo muito diferente se, nestas reuniões de negociação, tivesse a prefeitura acenado com distintas possibilidades e o sindicato rechaçado todas. A intransigência estaria do outro lado. E os vereadores teriam muito melhores justificativas para, eventualmente, aprovar o reajuste mesmo sem acordo. Mas não é isso que se vê.

Tudo indica que Alexandre Ferreira vai tentar repetir a manobra na sessão desta terça-feira, 25, na Câmara. Nada sinaliza que vá dar certo mas, ainda que dê, via rolo compressor, qual o saldo? Vereadores brutalmente desgastados e servidores irritadíssimos. Quem ganha com isso? Não consigo ver ninguém. Muito menos, o próprio prefeito.

Parte considerável da missão de liderar é convencer as pessoas de que o objetivo é o correto. De que as dificuldades, não importa quais sejam, podem ser superadas. E que o sacrifício vale a pena, porque é parte do caminho rumo ao bem maior. Nada disso faz sentido neste momento. Pelo que exatamente os vereadores se sacrificariam? Por qual razão o Executivo se recusa a apresentar uma proposta alternativa qualquer? Por que os servidores “concordariam” com uma proposta que foi enfiada goela abaixo se podem conseguir alguma coisa melhor na Justiça? Que diabo de estratégia é essa em que todos perdem? Vale tudo só para ter o regojizo de dizer “fiz do meu jeito” e ponto final?

Tenho certeza que não. O grande ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, homem elegante e diplomata nato, certa vez resumiu sua atividade com uma simplicidade fascinante. Disse ele que a sua função, na presidência, era fazer com que os problemas que entravam no gabinete saíssem de lá menores. É isso. Nem sempre dá para resolver tudo. Mas quase sempre dá para fazer que o problema fique menor.

Hoje, na avenida Presidente Vargas, parece que há uma maldição que leva ao efeito contrário. Diante de uma situação qualquer, que nem mesmo é particularmente complexa, constroem-se tantos obstáculos que acabam por criar problemas onde não havia nenhum. Preferem as “justificativas” às “soluções”. E o conflito, ao avanço. É uma pena. Todos perdem. Especialmente, a população, que será diretamente afetada se a greve dos servidores prosperar.

Corrêa Neves Jr. é jornalista, diretor do portal GCN, da rádio Difusora de Franca e CEO da rede Sampi de Portais de Notícias.

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Comentários

11 Comentários

  • Darsio 1 dia atras
    Certos comentários comprova o quanto que existem pessoas profundamente analfabetas. Essa tal Soninha que, certamente é um codinome desses covardes que, evitam se revelar por vergonha do que eles próprios escrevem, é mais um exemplo. Primeiramente, não é o Governo Federal que calcula a inflação, pois se assim fosse sempre iria divulgar valores para não se queimar diante da opinião pública. É na verdade, calculada pelo IBGE, órgão que usufrui de autonomia para isso. E, se levarmos em conta apenas os preços dos alimentos básicos e dos serviços, o valor da inflação é muito mais alto do que oficialmente é divulgado. Além do mais, o servidor público, tal como o da iniciativa privada possui o direito de reivindicar salários condizentes com a manutenção de uma vida mais digna e, que não se pode esquecer que, diferente das elites do funcionalismo público, a grande maioria dos servidores recebe salários baixos. Ou vão dizer que dois salários mínimo e meio pagos a um professor em fim de carreira, é um salário de marajá, sabendo-se de suas reponsabilidades e da necessidade de formação superior e continuada? Mas, ô Soninha! Seria dor de cotovelo por não conseguir passar em um concurso público? Que os servidores públicos sejam cobrados por ética e qualidade nos seus serviços, mas que também sejam valorizados nas suas condições de trabalho e, que os privilégios e altíssimos salários das elites do funcionalismo público tenham fim.
  • Soninha Visual 5 dias atrás
    o barato da onda é o seguinte: trabalho na prefeitura e sou namorada do Malandro, grande entendedor de política municipal, nacional e mundial. Prá começar a inflação atual está acima da inflação real, que é mal calculada pelo governo federal, então o reajuste pela inflação já é um ganho real, só que eu quero é mamááá mais, sacô ??? Quero mais é trocar de ca.rro todo ano, praia, sossêgo e água fresca. Quero ficar sempre linda, leve, solta, maravilhosa .
  • Rose 5 dias atrás
    Magnífico o comentário. É isso mesmo. Pessoas incompetentes para negociar, somente instransigência. Enfiar goela abaixo não é novidade neste governo e a falta de respeito com os servidores também.
  • francano 5 dias atrás
    O dinheiro do aumento dos servidores precisa ser gasto pagando subsídios para a empresa de transporte público.
  • Hals 23/03/2025
    Belas palavras, falou tudo, parabéns.
  • José 23/03/2025
    Apoio a greve! Já é o segundo ano que o Xandy sem grife faz as coisas de forma truculenta sem diálogo. Franca paga menos que muito município infinitamente menor e que depende totalmente dos repasses federativos. Franca tem os repasses e tem capacidade de receita própria, mas é uma aberração o que faz essa administração.
  • Darsio 23/03/2025
    Deveria haver uma profunda redução dos cargos comissionados, para os quais os cofres públicos sempre foram gentis. Nomes que não foram reeleitos vereadores são alguns destes beneficiados pelo cabide de emprego. Na esfera federal, existe aumento programado para este e o próximo ano e, no estado de São Paulo, mais uma vez o Tarcisão não concederá se quer a reposição inflacionária e, os professores estão de greve sinalizada. Aliás, o piso do magistério paulista é algo próximo de dois salários mínimos, um dos piores dentre todos os estados. O funcionário público deve sim ser cobrado por excelência no exercício de suas funções, mas também necessita ser mais valorizado. Afinal, um vereador ganhar muito mais que um professor e até mesmo um médico é algo no mínimo escandaloso.
  • Maria 23/03/2025
    Porque será que a arrecadação é baixa? Comparem com os valores do IPTU de outras cidades do mesmo porte. Não temos justiça tributária, ninguém quer colocar a mão nesse vespeiro.
  • Lívia 23/03/2025
    Disse tudo, não dá para entender esta maneira de governar onde só faz o que quer dá maneira que quer e que se dane os servidores e a população. O prefeito é servidor tbm, mas parece que se esqueceu disso, e ele não pode querer impor que todos sejam e pensem como ele, que é o que está acontecendo. Já pensou se os servidores começarem a trabalhar de acordo com o reconhecimento que não recebem por parte deste governo? Quem sofre é a população, mas os servidores também não estarão errados, afinal, todos trabalham sim por um salário digno, mas tem algo muito maior, que é a valorização do trabalho bem feito realizado por eles. A maioria das pequenas cidades de nossa região deram aumento digno aos seus servidores, e a maior cidade humilha os seus, achando que está abafando, mais na verdade está passando é vergonha. Situação lamentável.
  • Erly Freitas Schuina 23/03/2025
    Para esclarecer tua falta de compreensão, as faltas abonadas não é mérito, são os 6 meses com 31 dias que trabalhamos, mas ganhamos por 30 durante o ano, ou seja, é um dia que já trabalhamos!
  • REINALDO REIS DA SILVA 23/03/2025
    Difícil realidade não e mesmo. Como podem o poder público executivo não dar valor aos mais de 5 mil funcionários que levam nas costas os problemas da cidade. Educação Segurança Infraestrutura Lazer Finanças Tudo precisa de gente de pessoas de qualidade e qualificação pra termos um sistema público melhor. Mas prós\" Coroné\" infelizmente pensam que o tronco ainda perdura nas fazendas do pensamento que o chicote ainda pode ser um instrumento de calar a boca daqueles que são merecedores do reconhecimento. Enfim. Serão mais 4 longos anos de muita dor de cabeça nessa cidade. Os grandes nunca vão se calar na luta daqueles que realmente fazem a diferença.