OPINIÃO

O clima se impôs


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A questão climática é o assunto que predomina nas discussões sobre o presente e sobre o futuro. Ainda assim, o tema não ganhou as ruas. As pessoas não perceberam que muita coisa que as molesta deriva das emergências climáticas. A saúde é a mais afetada. Quem se sente bem com as temperaturas escaldantes que transformam nossas cidades em fornos?

O calor mata mais do que o frio. Isto é comprovado por pesquisas realizadas na USP pelo notável pensador que é o médico Paulo Saldiva. É claro que no assento de óbito não vai aparecer como “causa mortis” o calor. Mas ele foi a causa remota que deflagrou ocorrências como AVCs, infartos, embolias, outros eventos cardiovasculares, intensifica a hipertensão, a diabete e tantos males que abreviam a permanência das pessoas neste sofrido planeta.

No Brasil, poucas as cidades acompanharam o prefeito Ricardo Nunes, o primeiro a criar a SECLIMA, Secretaria Executiva de Mudanças Climáticas, vinculada à Secretaria de Governo e, portanto, bem próxima ao chefe do Executivo. Poucos outros prefeitos o acompanharam. Sequer a cidade que sediará a COP30, Belém do Pará, contava com um Plano de Ação Climática até há pouco.

Doze municípios do mundo contam com orçamento climático, iniciativa apoiada pelo C40, o grupo formado por 96 cidades. A primeira cidade foi Oslo, na Noruega e, na América Latina, o Rio de Janeiro. Para fazer o orçamento climático, o município calcula quanto gás estufa cada projeto incluído no orçamento vai produzir. Número que permite avaliar se o projeto incluído na proposta vai ser compensador ou não, sob o ponto de vista ecológico. Além disso, é preciso adotar um grande leque de ações que sejam avanço na meta de reduzir emissões.

Como a fase agora é de adaptação das cidades para os fenômenos extremos que ainda ocorrerão, só não se sabe precisar com exatidão quando, é urgente pensar no que se pode fazer para poupar vidas.

Regiões vulneráveis devem ser as prioritárias no recebimento de obras públicas. Aquelas residências construídas em encostas, ou à margem de cursos d’água ou reservatórios, precisam ser as primeiras a merecer remoção. Há espaços territoriais que desservem à moradia. São áreas de preservação permanente, são as áreas dos mananciais, são os territórios que, por sua geologia, hidrologia ou vulnerabilidade social, serão os clientes preferenciais dos fenômenos climáticos.

Há providências que todos os municípios podem tomar: fazer drenagem, macro e micro. O péssimo costume de se construir cidade para automóvel impermeabiliza o solo e a água não tem como se infiltrar no solo e chegar ao lençol freático, reabastecendo-o. As árvores são as maiores amigas da população. Elas dão sombra, elas reduzem a temperatura, elas mantêm o terreno em condições de receber a água da chuva, realimentam os lençois freáticos e garantem chuva.

Multiplicar as áreas verdes é o compromisso mais urgente e mais benéfico para qualquer cidade. Cuidar dos resíduos sólidos também. O desperdício e a má destinação dos descartes contribuem com percentual expressivo dos gases causadores do efeito estufa. Ensinar a população a descartar adequadamente aquilo que se desperdiça é uma política estatal que melhora a qualidade de vida da cidade e poupa recursos. Veja qual é o gasto do município em varrição e coleta de lixo.

Levar a economia circular e a logística reversa a sério. Fazer campanhas contra o desperdício. A cada dia, o mundo joga fora um bilhão e meio de toneladas de alimento manipulado. A maior parte, dentro de nossas casas! É um absurdo. Não só porque metade do planeta passa fome e a outra metade arremessa ao lixo os alimentos. Mas também porque os resíduos orgânicos emitem metano, gás mais nocivo do que o carbono.

Outras coisas precisam ser feitas: instalar sensores do volume de chuvas e dos níveis dos rios, melhorar a estrutura da Defesa Civil, formar pessoal para as situações de emergência, preparar plantadores e cuidadores de espécies arbóreas, requalificar e ressuscitar córregos, já que os enterramos para atender ao trânsito.

Não nos iludamos: os desastres (que não são naturais, mas provocados por ação humana) acontecerão com frequência e intensidade maior daqui por diante. Estejamos alertas!

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)

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