Estou próximo ao fim (este, nunca se sabe, mas irei em frente enquanto puder). Chegar em Piracicaba e ver o tanto de gente que esteve comigo lá atrás e continua acreditando promovendo uma festa enorme (pelo menos me pareceu), diversificada, me dá forças. Estou falando só de mim, sou injusto. Se estas festas literárias continuam a existir a chama está no ideal de grupos como este de apaixonados pelo livro e pela escrita. Fiquei emocionadíssimo quando Ivana e parte de ex-alunos meus se juntaram e puseram de pé esta feira.
Não imaginam quando, ao me referir a um pequeno cachê, normal, porque é um trabalho, elas responderam: Será pago. Se a prefeitura não pagar por alguma razão, nos cotizaremos e você receberá. O município pagou, mas eu, certamente, viria até sem cachê. Pelo brilho dos olhos desta gente. Fiquei feliz. Estar feliz pode aumentar meu tempo de vida e deve deixar satisfeita a cidade, porque esta já está incluída no Calendário Cultural do Estado e São Paulo, e do Brasil. Quem diz isto tem 58 livros publicados, dezenas deles traduzidos, pertence a duas academias, a Brasileira e a Paulista de Letras.
Quando aqui cheguei, há semanas, caminhei lentamente ( mas caminhei) com minha bengala e fui vendo grupos a conversar, pessoas circulando pelo Salão de Humor, há muito entre os mais tradicionais do Brasil, percebendo conversas com crianças, e adultos, entrando em oficinas, enfim sentindo uma a atividade febril , senti que esse grupo que organiza tal movimento tem pulso, garra, loucura, humor – sem ele, não fazemos nada. Feliz, vi que muitas destas pessoas traziam ainda delas uma partícula que veio de mim, décadas atrás: o amor ao livro, ao narrar, a poesia, ao colocar no papel, no palco, na tela as alegrias e angustias da vida. Esse grupo tem prazer em disseminar o livro. Sabem que cada apaixonado pelo livro, leitura, ideia, é um ganho de alto valor na cultura brasileira.
Aos 88 anos, ter voltado a Piracicaba, cidade onde meu filho Daniel estudou e foi feliz, onde escrevi uma conto intitulado “A Sexta Hora”, dedicado a Joana Fomm e publicado na revista Claudia, cidade onde era feliz comendo peixes delicados, perfumados e lendo/analisando/incrementando textos feitos na hora por sonhadores apaixonadas pela escrita e pela leitura, pela poesia, me deram um alento. Alguma coisa deixei. Vocês continuaram. Agarrem com força essa tábua da salvação, a escrita. E me pergunto, quem deste grupo será escritor de folego, garra, amor pelas palavras. Um Loyola, ou um Itamar (Torto Arado), quem sabe um Carlos Drummond podem sair daqui.
Perguntaram-me o que devem fazer para melhorar. Digo: nunca estar satisfeito, querer avançar. Fracassar e manter o entusiasmo. Vocês de Piracicaba, já colocaram uma marca no calendário. Continuem. Tragam autores, coloquem junto aos novos. Eu gostaria de ter me sentado diante de uma plateia a conversado com principiantes por mais horas, dias. Passar para eles um pouco mais do que tenho dentro de mim. Saber angústias, desejos, ambições. Saber das loucuras internas. Nossos problemas são iguais.
Já vacilei, tremi, chorei, me achei medíocre, quis desistir, abandonar tudo, mas de repente ia a uma feira, a uma Festa, como esta, ouvia um bom autor, lia um livro, me recuperava. Aqui ouvimos, discutimos, rimos, nos entusiasmamos, ganhamos alento.
Ao voltar, recebi uma gravura do Engenho onde falei, debaixo de um sol daqueles, mas animado, ao olhar para as pessoas suadas, se abanando, e vê-las de olhos grudados em mim. Senti minha responsabilidade, falei, respondi perguntas, suei, tirei fotos, selfies. Quem diz que odeia selfie é mentiroso. Ele é um agradecimento, reconhecimento, a certeza de que você estará em algum lugar de uma casa e te apontarão e dirão: é fulano de tal.
O Engenho é um símbolo. Aquele que mói, tritura, transforma algo em outra coisa, seja fubá, farinha, conto, romance, poema, ensaio ou uma frase apenas. O autor é aquele que se angustia, mói, tritura, torna em literatura nossas, paixões, dores, felicidades, ambições, angustias, sofrimentos. O autor é um engenho fundamental dentro de um ser humano. Engenho é vida. Símbolo de todos que lutam pela palavra, pelo traço, pela cor, pela voz, pelo som, pelo grito, pelo desabafo. Pelo coração.
Sem esquecer algo fundamental, dito pelo Marquês de Maricá: “A modéstia engrandece o talento, a vaidade arruína.” (1773- 1848)
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