Presidente da Apae Bauru, Maria Amélia Moura Pini Ferro assumiu a entidade em meio à maior crise na qual a instituição se viu envolvida. O então presidente Roberto Franceschetti Filho havia sido preso e a secretária executiva, Claudia Lobo, morta segundo a Polícia Civil pelas mãos de seu braço-direito Franceschetti.
Desde então todos os olhos se voltam à Apae. Investigações apontam para desvios superiores a R$ 7 milhões dos cofres da entidade num esquema que envolvia transferências de recursos das contas da instituição para seus ex-dirigentes à luz do dia, sem qualquer preocupação nem mesmo em ocultar os repasses.
Em entrevista ao JC, concedida na sede da instituição na sexta-feira (13), Maria Amélia disse ter sido "pega de surpresa" com as revelações, defende mudanças no regramento sobre as entidades - o estatuto da Apae Bauru, por exemplo, está sendo revisto -, e admite que "falhamos nos nossos controles".
Também afirma que a Apae foi vítima de tudo isso e que a instituição não pode interromper seus serviços dos quais dependem milhares de bauruenses.
Ainda na sexta pela manhã, confidenciou a presidente ao JC, a Apae demitiu outra funcionária indiciada por envolvimento no esquema.
A seguir, os principais trechos da conversa:
JC - O caso chocou o País todo. Descobriu-se um verdadeiro esquema de transferências bancárias sem absolutamente nenhum controle. A sra. tinha alguma suspeita sobre isso?
Maria Amélia - Primeiro devemos lamentar tudo isso. A Apae foi vítima de um esquema. E nós, voluntários da diretoria, e também os funcionários fomos enganados. Tivemos e temos auditoria do balanço [contábil] que nunca apontou nada. O esquema maquiou muito bem as contas. Nós não tínhamos conhecimento disso porque não estávamos no dia a dia da instituição. Fomos pegos de surpresa.
JC - Chama a atenção, porém, a maneira escancarada como se dava o esquema. Houve omissão, na sua avaliação?
M.A. - Falhamos nos nossos controles, isso nós falhamos. Mas não diria omissão. Porque nós vínhamos aqui [na Apae] e tínhamos informações sobre os balanços, segundo os quais tudo acontecia perfeitamente bem.
Ele [Roberto] criou contas [bancárias] que não estavam presentes nos balanços. Tanto que até hoje temos dificuldade em acessar essas contas.
JC - Mas a entidade também possui um conselho fiscal. Como o colegiado aprovou as contas com todos os extratos?
M.A - Ninguém tinha acesso às contas utilizadas para os desvios. Elas nunca eram levadas ao conselho.
JC - No ano passado, quando da reunião de prestação de contas da Feira da Bondade, uma entidade doadora teria questionado o resultado das vendas e o lucro final. A sra. confirma que isso aconteceu?
M.A. - Eu ouvi dizer de outras pessoas que eles [a entidade] teriam questionado isso. Ao que soube, eles deram uma explicação contábil e que havia um erro. Como você, porém, eu só ouvi dizer.
JC - A Polícia Civil diz em um dos relatórios do inquérito que apura os desvios que a Apae entregou informações genéricas sobre determinados temas ou simplesmente não entregou documentos. O que aconteceu?
M.A. - Primeiro fizemos uma sindicância da qual participou o Ministério Público. Depois, tudo o que o delegado solicitou foi entregue. Claro que dentro da nossa capacidade de levantamento de informações. Podemos ter enviado determinada informação que não fosse a que ele [delegado] queria.
JC - A coordenadora financeira Maria Lúcia Miranda, que acabou presa recentemente, ainda estava trabalhando na entidade - talvez porque não houvesse suspeitas sobre seu envolvimento. Ela chegou a participar da sindicância interna aberta pela Apae?
M.A. - Sim, mas como depoente.
JC - Os documentos da investigação sugerem um superpoder de Roberto e Claudia dentro da instituição. As coisas saíram do controle sem nenhuma desconfiança. Foi um erro? Qual a lição a se tirar disso?
M.A. - Nós contratamos uma perícia externa que vai apontar o que foi feito e quais mecanismos nós vamos estabelecer para que isso nunca mais aconteça. Já tomamos algumas medidas de controle, mas a perícia começou agora. Não tem prazo para terminar. Estabelecemos os últimos dois anos como objeto da apuração, mas esse prazo pode ser estendido para anos anteriores.
JC - Muito se falou sobre a questão do salário do Roberto. Historicamente presidentes nunca receberam vencimentos. Agora sabe-se que ele ganhava R$ 30 mil. Não é um valor muito alto? Como isso foi recebido por vocês na época?
M.A. - O salário inicial dele era de R$ 12 mil. Aliás eu não devo citar valores pela Lei Geral de Proteção de Dados. Mas isso já está público.
Por que foi instituído o salário? Porque na época ninguém queria assumir a presidência. E ele era coordenador. Aí definiu-se que se tornaria presidente. Depois, ele próprio foi se dando aumento.
JC - A sra. já conseguiu refletir sobre tudo o que aconteceu? Qual conclusão a que pode chegar?
M.A. - A Apae vai fazer 60 anos no começo do ano que vem. São seis décadas de atendimento ao público. Temos um público que precisa ser atendido. E não interrompemos [o atendimento] em momento algum. Contratamos psicólogos, até porque muita gente ficou abalada, mas não paramos. Precisamos continuar.
JC - Conversamos pouco depois de o Roberto ter sido preso e, naquela ocasião, a sra. afirmou que a intervenção na diretoria estava descartada. Isso chegou a ser cogitado pela Federação Nacional das Apaes?
M.A. - A Fenapae esteve conosco e descartou a intervenção. Claro que eles continuam acompanhando isso de perto.
JC - Imagino que tenha havido um certo impacto com as doações após o episódio. Já é possível mensurar valores?
José Francisco Sandrin (também presente à entrevista) - O primeiro impacto foi em agosto e setembro, quando houve redução de 20% nas doações. Isso foi recuperado. Agora, neste final de ano, com o que saiu [na imprensa e as repercussões na Justiça], creio que haverá outro baque.
JC - O que aconteceu na Apae com relação aos desvios pode estar ocorrendo neste momento em várias entidades do País. A sra. acredita que deva haver uma mudança na legislação que rege o terceiro setor, impondo regras mais rígidas?
Maria Amélia - Seria interessante. É bom para nós ter regras rígidas e acompanhamentos rígidos.
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