"Muito ruído por nada"
William Shakespeare, dramaturgo inglês
Eu avisei. Desde que alguns políticos, especialmente o vereador Daniel Bassi (PSD), começaram a se movimentar mais intensamente nos últimos anos na luta pela retomada de voos regulares a partir do aeroporto de Franca, o “Lund Presotto”, tenho alertado que a questão é muito mais complicada do que parecia ser.
Expliquei, incontáveis vezes, que não se tratava fundamentalmente de legislação, de questões técnicas, nem era essencialmente o tipo de problema que governos – ou políticos - resolvem com “canetadas”.
Tratava-se, antes de qualquer outra coisa, de dois grandes obstáculos: o primeiro, a falta de slots (horários disponíveis para chegadas/partidas) convenientes no aeroporto de Congonhas (o mais central) na Capital paulista, reservados pelas companhias aéreas para as rotas mais lucrativas. Isso faz com que um voo não possa decolar num horário adequado de Franca, porque não tem horário disponível para pousar. E voo no meio do dia não resolve.
O segundo, a dúvida com relação à demanda, especialmente porque, como Franca ficou décadas sem esta ligação regular, as pessoas se habituaram a ir de carro ou ônibus (que tem múltiplas ofertas de bate-voltas, inclusive com poltronas-leito) – e, estariam agora, em volume suficiente, dispostas a pagar caro para voar a São Paulo?
Argumentei, com o próprio vereador e sua equipe, que havia risco de uma enorme frustração. Porque voar só faria sentido, para quem faz o trajeto a negócios, se fosse possível ir e voltar no mesmo dia. Portanto, o voo teria que partir bem cedo e voltar à noite. Isso garantiria atratividade, em que pese o preço, tanto num sentido quanto em outro – um empresário ou empresária de Franca poderiam sair cedo, fazer suas reuniões em São Paulo e voltar a tempo de dormir em casa e trabalhar normalmente no dia seguinte. Ou um professor, um consultor, um especialista numa área qualquer, um executivo, poderiam vir de São Paulo, atender seus clientes em Franca e voltar à Capital no mesmo dia. Se não fosse assim, dificilmente faria sentido.
Mas, os políticos, Daniel Bassi à frente, parecem ter acreditado que o problema era eminentemente técnico, de governos, da concessionária que opera o aeroporto ou sei lá mais o que imaginaram... Há que se registrar, ainda, que a questão de voos sequer é da alçada de um vereador, eleito, fundamentalmente, para legislar sobre questões do município e fiscalizar as ações do prefeito.
Nesta semana, a equipe do vereador anunciou a retomada dos voos. A partir de 16 de dezembro, Franca volta a ter partidas e chegadas regulares operadas pela companhia Azul. Então, qual o problema? Eu estava errado? Não, infelizmente, não. Pelo contrário, não poderia estar mais certo.
Para começar, serão apenas duas frequências semanais, às segundas e quintas-feiras. A aeronave utilizada será uma Caravan, com capacidade para apenas nove passageiros. Mas o melhor mesmo é o destino: o pouso não acontece no cômodo aeroporto de Congonhas, mais central, nem em Cumbica, mais distante. A aterrissagem é em Viracopos, que fica em Campinas – o trecho restante, até Congonhas ou Guarulhos, é feito de ônibus.
Sou pessimista? Não, longe disso. Apenas, realista. Considerando o tempo que as companhias exigem para que você se apresente no aeroporto (1 horas antes), a duração do voo (50 minutos), o desembarque e reembarque no ônibus (30 minutos, com sorte), e o trecho de Campinas até Congonhas (2h, com muita sorte), sair de Franca e chegar a São Paulo via Azul vai demandar cerca de quatro horas e meia – mais ou menos, o que se gasta de carro. Além disso, não dá para ir e voltar no mesmo dia de avião, o que força um pernoite em São Paulo.
Não é exagero dizer que ninguém que vá ou venha a negócios vai utilizar o voo da Azul. Mais prático e barato vir de carro ou ônibus (com muitas ofertas de horários e preços, que variam de pouco mais de R$ 100 a R$ 480 ida e volta, se for leito). A Azul ainda não divulgou o valor da passagem que vai praticar aqui, mas tomando como base a tarifa praticada entre Bauru e Campinas, trecho semelhante, podem-se esperar uns R$ 800-R$900 ida e volta. Nem economicamente compensa.
Mas, então, para quem serve este voo? Basicamente, para quem comprar um pacote para o Nordeste e preferir embarcar direto de Franca, com conexão em Campinas. Dependendo das datas, pode ser útil. Ou para quem vai ao exterior e prefere sair daqui – se a partida for de Campinas, pode valer a pena. Mas são casos pontuais, que servem apenas a quem está de férias.
Continuamos sem ter como chegar de forma prática a São Paulo e, de lá, a Brasília, por exemplo, podendo voltar no mesmo dia. Não que isso abale o otimismo de Daniel Bassi. “A gente se comprometeu a reativar o aeroporto de Franca e correu muito para isso. E conseguimos esse objetivo. Nossa intenção sempre foi a ligação com São Paulo e seguiremos trabalhando por isso, mas já é motivo de comemoração ver o nosso aeroporto ser reativado e conectado com Viracopos, que faz conexão com todo o Brasil e várias partes do mundo, como Estados Unidos, Portugal, França e Argentina”, disse Bassi.
Bassi é um político jovem, esforçado, reeleito com boa votação, mas precisa calibrar melhor suas causas para que não repita na vida pública o que deve acontece agora com o “feito” da retomada das operações aéreas comerciais em Franca: um mero voo de galinha, frustrante, um quase fiasco. Prefeito é prefeito, deputado é deputado, vereador é vereador, conquista é conquista e confundir uma coisa com outra é erro grave. Teremos voos, mas não há qualquer razão para comemoração. Nem para entusiasmo.
Até porque, como aviso já há um bom tempo, este não é um problema que dependa apenas de vontade política. É, sobretudo, uma questão de mercado, de malha aérea, de logística e de oportunidade. Nada disso depende de Bassi. Nem de nenhum outro político, isoladamente. Lutar por conquistas que “marquem” o mandato é legítimo, mas exige cuidados. Existem marcas boas, marcas ruins e marcas ridículas. Diferenciá-las é importante para qualquer um – especialmente, neste momento, para Daniel Bassi.
Corrêa Neves Jr é jornalista, diretor do portal GCN, da rádio Difusora de Franca e CEO da rede Sampi de Portais de Notícias.
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Comentários
11 Comentários
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Antonio Flavio do Nascimento 4 dias atrásBarretos, com uma população aproximada de 120 mil habitantes, também terá operações comerciais idênticas a de Franca.
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Darsio 10/12/2024Dois aspectos pesam sobre o papel coadjuvante da cidade de Franca num cenário que extrapole a escala regional: o primeiro é pelo fato de estar próxima a Ribeirão Preto, uma cidade de projeção nacional e, servida de excelente infraestrutura, incluindo o setor de transportes. Os holofotes são todos para Ribeirão Preto. O segundo é devido ao pensamento retrogrado e mesquinho de suas elites que, pelo conservadorismo ainda fazem por acreditar que somos um império governado pelos descendentes de D. Pedro II. O artigo é claro e não deixa qualquer dúvida de que esse aeroporto em Franca que, como se sabe consumiu milhões de reais dos cofres públicos, não passa de um verdadeiro elefante branco. Aliás, o título e a imagem do artigo foram bem alinhados a ideia de que esse aeroporto está muito aquém do que seus defensores desejariam.
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Andreas Konder 09/12/2024Vamos fazer tudo para que este número de vôos aumente o quanto antes. Franca, ao contrário do que alguns dizem, tem demanda para isso e muito mais. Sempre existirão vozes reacionárias dizendo o contrário, já que obviamente, não desejam perder seus privilégios. Quem entende de aviação, sabe que o Cessna Grand Caravan da Azul Conecta é uma ótima aeronave. Aguardo ansiosamente o inicio das vendas das passagens. Lembrem-se, esses poucos vôos, vão aproximar pais de filhos e avós de netos, não apenas empresários de seus lucros.
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Rubens 08/12/2024O que se nota é que tem gente com \"dor de cotovelo\". Gente que se acha importante, e que faz parte de um passado provinciano da cidade, ainda que não muito distante. É claro que a cidade não vai ter a regularidade de voos similar a Ribeirão Preto. O atraso da nossa cidade em relação a outras, às vezes até menores, se explica pela atuação de algumas poucas famílias, extremamente conservadoras e que atuaram por muito tempo, no sentido de manter a cidade fechada para o novo, avessa à diversificação e empenhada em criar uma classe trabalhadora pouco especializada, com baixos salários e sem nenhuma consciência de classe, esta que seria a condição essencial para a luta por melhores condições de trabalho. Resultado disso, temos uma cidade que, apesar de ótimos indicadores de desenvolvimento humano, possui uma das menores rendas per capta do estado. Isso explica muita coisa. Por mais que a retomada dos voos em Franca não foi o que estávamos esperando, termos um aeroporto com alguns poucos voos comerciais já é infinitamente melhor que usar aquele espaço para campeonato de arrancadas, algo inclusive, que não vi ninguém reclamar até agora. Já passou da hora dessa velha guarda retrógrada de Franca sumir e dar lugar ao novo.
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Beltrame 08/12/2024O Francano médio estaciona fora do shopping pra não pagar estacionamento. Realmente não acho que haja demanda para voos saindo daqui. Se for analisar para uma pessoa que mora em cidades maiores 1h de carro não é nada, logo, somos mal acostumados, Ribeirao é aqui do lado, melhor fortalecer o aeroporto de lá e usarmos ele do que termos voos de caravan a partir daqui.
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Maria 08/12/2024Muito bom o texto com as precisas observações e os comentários kkk. Pelas “grandiosas” ações percebe-se o quanto o engajado político eleito, principalmente por aqueles que valorizam a tal história de “é de origem/família tal”, está comprometido com Franca. No primeiro mandato cheguei a acreditar que se engajaria em questões do tipo “meio ambiente” que propagandizou em campanha, pensando eu, que fosse trabalhar na disseminação de orientação à população, pelo menos no que diz respeito ao tratamento de lixo, em algo do tipo “não joguem lixo na rua, pelas janelas de carros, em terrenos”… mas não, o engajamento foi para asfaltar trecho de estrada para atender à demanda de fazendeiros, a tal fixação por voos partindo do aeroporto. Isso poderia ser positivo sim, mas esse foco todo ocupando as funções de vereador tem algum viés estranho. O álbum de fotinhos deve estar bem recheado e convenientemente algumas fotos são expostas e outras “esquecidas”. Talvez aparecer, aparecer garanta uma longa continuidade na política, resta ver se o grupo que elege será suficiente para que assim o faça para outros cargos, que é onde parece estar voltado o real interesse dos “engajamentos”.
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Gabiroba 08/12/2024Ter voos regulares aqui é delírio! É forçar a barra demais! Não faz sentido brigar para ter dois voos de teco teco indo pra Campinas e pegando um baita trânsito até São Paulo. A lógica é pegarmos um voo regular saindo de Ribeirão Preto, com preço adequado e desembarcar na capital ou em diversos destinos do país. Tinham que deixar o ego de lado um pouco, chamar a classe política regional e lutar por isso! É mais rápido ir para RP que de Campinas para SP. Qualquer criança consegue fazer este cálculo!
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João Paulo 08/12/2024Não fossem os dois pedágios caríssimos que separam Franca e Ribeirão Preto, Franca seria hoje uma mera cidade-dormitório de Ribeirão. Indústria calçadista em fuga, bolha imobiliária com especulação insustentável e custo de vida tão elevado quanto cidades maiores, mas sem os mesmos atrativos. E quem comanda a cidade permanece com seu umbiguismo barrigocêntrico, vendendo ilusões para se manter no poder. Pensar prioritariamente que um meio de transporte fundamental - e direito essencial - se limite a atender privilégios de empresários (que não defendem o município muito além de seus próprios interesses). O que mais esperar de uma cidade onde no pós-pandemia sequer há transporte público suficiente (quiçá de qualidade, no geral) após o horário comercial? Antes um curral eleitoral, hoje uma granja de talentos em migração para outros locais com oportunidades de verdade.
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flavia cristina almeida 08/12/2024Adorei a matéria kkkk
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José Roberto 08/12/2024Esse Daniel Bassi é uma piada! Parabéns C. Neves! Esse vereador tem mania de grandeza. Ele pensa que é maior do que é. É um teomanico. Franca não tem aeroporto porque não é lucrativo para as empresas aéreas. É simples. Mas, ficou aí fazendo propaganda de algo ruim que é melhor não ter. Pior ainda queria ser presidente da câmara municipal só porque teve mais de 5 mil votos. Acha que isso o legítima para pleitear poder. Ao invés de focar na cidade fica preocupado com questões estaduais e federais.
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Paulo Silva 08/12/2024Concordo em partes e frustante a aeronave e a disposição de horários mas demandas sao maiores p deslocamento pelo pas e exterior até a cometa tá conectado com guarulhos então tem procura