Quem é esse homem negro debaixo do flamboyant vermelho, cantando poesia e cativando jovens e adultos? Estamos na escola Dr. Orlik Luz no bairro City Petrópolis em franca, celebrando a Semana da Consciência Negra e aprendendo com o Mestre. É exatamente como disse Lucineide Freitas, a coordenadora do Ensino médio da escola, “Quem se aproxima desse poeta mergulha em atmosfera diferente, é impossível sair do mesmo jeito quando se encontra com Carlos de Assumpção porque o assunto varia de tom, forma e intensidade, mas o ritmo da conversa é sempre do batuque ancestral de protesto”. Como pode alguém protestar de forma tão doce e alegre sobre as mazelas e atrocidades sofridas por seu povo, desde os primeiros escravizados que desembarcaram no Brasil Colônia em meados de 1530? Mas não se enganem com tamanha doçura, o poeta também é contundente, irônico e assertivo em seu verso: “todo mundo é meu amigo, o racista não”, nos faz pensar outras perspectivas. O flamboyant da escola ficou iridescente iluminado por Carlos de Assumpção, festeiro e elegante griô ancestral com alma de menino.
Refletimos e batucamos poesia com Carlos de Assumpção. Nas palavras de Juliana Pizzo vice-diretora da escola, o Agora-presente é oportunidade de louvar do passado as lutas para de mãos dadas a ele seguirmos em frente acreditando. Também penso como ela quando diz que “O presente é um pacote embrulhado com luzes e sorrisos e tudo mais que recebemos todos os dias, e desembrulhando desvendando percebemos e aprendemos a amar nossas origens. É esse presente que queremos, poema e poesia que batuca, que ginga, que canta. Oxalá tenhamos tantos presentes como o dessa noite de Sarau Protesto na escola Orlik Luz quanto seja nossa alegria de celebrar o mestre poeta de cantos e vida Professor Carlos Assunção. E esse presente não sabemos quem o dá e quem o recebe: se as mãos jovens, que brinda a vida, se aquelas que o tempo já fez marcas. E nesse dia de consciências, dia de receber do presente a oportunidade de arrebentar as correntes que nos aprisionam a um passado de dor. Cantemos ao som dos tambores do passado para que ele revirado e cheio de ginga se torne um presente vivo, de sorrisos e esperança para um futuro melhor. Para isso é preciso incentivar nossas crianças valorizarem os mais velhos, os que vieram antes e estão na luta para fazer desse país um Brasil melhor. Saudar a história do poeta e colaborar na preservação da nossa memória coletiva”.
Um dos decanos da literatura afro-brasileira, o poeta Carlos de Assumpção nasceu em Tietê-SP, em 1927 e mais tarde passou a residir em Franca, onde se formou em Direito e Letras. Entre e os vinte e os quarenta anos, participou intensamente da cena cultural paulistana, em especial nas atividades artísticas, sociais e políticas vinculadas ao Movimento Negro e tornou-se figura conhecida nas reuniões, assembleias e saraus, momentos em que tomava a palavra para entusiasmar as plateias com seus versos infamados de denúncia da discriminação embutida no racismo onipresente na sociedade, sempre acobertada pela ideologia da cordialidade e da democracia racial. Um griô moderno, a compartilhar seus saberes em forma de poesia e disseminar apelos à nova consciência negra que então se formava. Em 1958, aos 31 anos, recebeu o título de Personalidade Negra, no 70º aniversário da Abolição, conferido pela Associação Cultural do Negro, em São Paulo. Em 1982, recebeu novo título, desta vez o de Personalidade do Ano, em Franca/São Paulo, e foi também homenageado com a Placa de Prata da VII Semana Cornélio Pires, em Tietê/São Paulo, em 1996.
Apesar de todo esse percurso, somente em 1982 consegui “furar a bolha” das editoras elitistas e publicou a primeira edição de seu conhecido livro Protesto: poemas, em que reúne seus textos mais conhecidos. Em 1988, Centenário da Abolição, vem a público a segunda edição, com apresentação de Henrique L. Alves e prefácio de Aristides Barbosa. Em 2000, Assumpção publica o volume Quilombo; em 2009, a coletânea Tambores da noite e, em 2020, Não pararei de gritar - consagrada edição de suas poesias pela Companhia das Letras.
Precursora do rap do slam contemporâneos, sua poesia constrói um poderoso elo entre a ancestralidade africana, com sua tradição de oralidade, e as formas modernas de expressão da consciência e da estética negras presentes na diáspora africana nas Américas. Seus versos retomam o legado milenar da poesia oral para tocar nas angústias do existir e do ser negros numa sociedade marcada pela herança de mais de trezentos anos de escravização. Seu poema “Protesto”, premiado em diversos certames de Poesia Falada, e aclamado como hino por diversas gerações, marcou época e simbolizou a ascensão e as reivindicações da intelectualidade negra brasileira, tornando-se referência obrigatória em diversas antologias, com traduções para o inglês, francês e alemão.
Assim como o poeta, nós também acreditamos que “um dia seremos realmente todos irmãos; contudo, a concretização desse anseio, deste sonho de muitos dependerá da luta de todos os homens”.
Oxalá nossos jovens afrodescendentes recebam de presente futuro digno de respeito, esse que estamos construindo juntos, aqueles que sofrem o racismo pela e os outros que despertaram para ser de todos a responsabilidade de agir a favor da liberdade. Debaixo do flamboyant vermelho, cantando poesia e cativando o poeta Carlos de Assumpção, a aluna Valéria Carvalho Brandão de Souza entrega o retrato do poeta Carlos de Assumpção feito por ela. Viva o poeta Carlos Assunção! Viva o povo brasileiro!
Baltazar Gonçalves é historiador e escritor membro da Academia Francana de Letras
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Comentários
2 Comentários
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Ângela Maria Pimenta 27/11/2023Peço licença para dar meus parabéns ao escritor Baltazar Gonçalves por mais esse artigo, esse trazendo essa mensagem de Esperançar a Luz de um novo dia nas crianças, nos jovens e nos professores das escolas de Franca por onde já passou nosso griô Poeta Escritor Professor Advogado Sr. Carlos de Assumpção e sua significativa presença junto aos estudantes de Literatura e Letras .
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APARECIDO DONIZETE NUNES 25/11/2023Grande Referência , Grande Poeta, mesmo com Atraso .