NOSSAS LETRAS

Coisas bizarras só encontradas no Brasil

Artigo publicado no jornal Le Monde, edição virtual do dia 11 deste novembro, elenca hábitos que surpreendem europeus que nos visitam. Leia o artigo de Sonia Machiavelli.

Por Sonia Machiavelli | 18/11/2023 | Tempo de leitura: 6 min
Especial para o GCN/Sampi Franca

Artigo publicado no jornal Le Monde, edição virtual do dia 11 deste novembro, elenca hábitos, modos de ser, criatividade e itens culinários que surpreendem europeus que nos visitam. Trago aqui uma tradução livre.

“O Brasil é um dos mais belos países do mundo, reconhecido por suas praias magníficas, a luxuriante Amazônia, carnavais selvagens e muito mais. Este país da América do Sul abriga uma população de mais de 214 milhões de habitantes que têm o português como idioma. A lista abaixo traz comportamentos, gastronomia e outras características nunca mostradas pelo The Travel Channel. Vamos a elas.

Escovar dentes em público
Soa inacreditável, mas cada brasileiro carrega dentro da bolsa uma nécessaire e, no seu interior, pasta e escova. Não se surpreenda então se você estiver no toilette de um restaurante e vir alguém sacar a dupla e começar a escovar os dentes na sua frente e na de quem estiver presente. A higiene é extremamente importante no Brasil, da escovação dos dentes à recusa em tocar alimentos com as mãos.

Cesto para papel higiênico
Muitos ficam chocados ao descobrir que os brasileiros jogam papel higiênico num cesto, em lugar de o destinar ao vaso. Em todos os lugares públicos e mesmo no ambiente doméstico há cestos para este fim. A explicação reside no fato de que vasos sanitários fabricados no país têm saídas estreitas que são obstruídas com facilidade. Em quase todos os banheiros públicos há um aviso bem destacado: “Favor jogar o papel higiênico no cesto”.

Povo criativo
Todos aplaudem a criatividade do povo brasileiro, encontrada em diversas situações. Desde o morador de uma área superpovoada que improvisa  grade do lado de fora de sua janela no quarto andar para assar carne, até as avós que fazem crochê e criam necessidades para seus produtos. São   tapetes para colocar na entrada da casa, no centro da mesa, ao lado da cama; ou suportes para moto na garagem, a fim de que o piso não fique marcado pelos pneus.

Câmeras de segurança
Segundo estatísticas de criminalidade, cerca de 25% dos brasileiros declararam-se vítimas de roubos ou furtos em 2021. Lojas e outros estabelecimentos não brincam quando se trata de evitar ladrões. O negócio do sistema de segurança vai de vento em popa e nas boutiques de carne até peças nobres, customizadas, têm alarmes na embalagem. O engraçado é que as próprias câmeras precisam ser asseguradas. Assim, são muitos os proprietários que as amarram na parede, com corrente resistente, para não serem roubadas.

Velaterapia
A velaterapia é um tratamento capilar criado pelos brasileiros. É técnica que deixa alguns estrangeiros um pouco nervosos só de olhar. Durante o processo, os cabelos são separados em mechas e cada uma é colocada sob a chama tênue de uma vela que toca os fios muito levemente. A chama queima as pontas esgarçadas dos fios. Essas são cortadas e recebem tratamento em profundidade. Quem se habilita?

(Im) pontualidade
O Brasil tornou-se célebre por sua visão irrealística de pontualidade. Entre todos os brasileiros, cariocas estão no topo da lista. Atrasos de quinze minutos, às vezes mais, são considerados insignificantes. E se a impontualidade é tida na maior parte do mundo como indelicadeza, no Brasil está no rol das coisas normais. Estendendo o comentário sobre o tempo para as festas, não há hora fixada para que terminem. Começam no início da noite e acabam quando os convidados, já cansados, sentem vontade de ir embora. Ou seja, no dia seguinte...

Abraços e beijinhos
No Ocidente, saúdam-se as pessoas com um aperto de mão, mas tal formalidade não é necessária no Brasil. Brasileiros são afetuosos. Ainda que estejam encontrando uma pessoa pela primeira vez, eles a envolverão num abraço e, em certos casos, lhe darão beijinhos. Outra coisa: chamam todo mundo pelo prenome, quer se trate de professores, patrões, religiosos, médicos ou vizinhos.

O vendedor de picolés
No litoral é fácil chegar aos 40º no verão. As pessoas sentem necessidade de se refrescar e podem fazê-lo não somente entrando na água mas também consumindo picolés de carrinhos empurrados por vendedores que caminham quilômetros na areia, sob sol escaldante. Os picolés são deliciosos e conferem ao paladar uma sensação de frescor açucarado. Existem dezenas de sabores.  Até sabor de “não-sei-quê”, quando o freguês fica em dúvida.  Nesse caso, o picolezeiro reponde ao “não-sei-quê” oferecendo napolitano, baunilha ou flocos, sabores preferidos pelos brasileiros.

A refeição mais importante
É expressão corrente entre nutricionistas que o café da manhã é a refeição mais importante do dia. No Brasil é o almoço. Empregadores e empregados fazem acordos para que haja pausa de duas horas para esta refeição que consiste em geral de arroz, feijão, salada, farinha de mandioca e uma proteína- carne de vaca, de porco, de frango ou ovo. No meio da tarde, se ainda houver fome pode-se comer uma “merenda”, que inclui café, pães, bolos etc...

Uma saideira, por favor!
A última bebida da noite se chama “saideira”. Quando amigos estão num bar, chegado o momento de voltar para casa pedem uma antes da finalização da conta. Há excelentes “saideiras” além da cerveja clássica. Por exemplo, a “caipirinha”, versão brasileira do “mojito”, é deliciosa. O drink brasileiro é preparado com limões verdes, açúcar, boa dose de cachaça e muito gelo moído. Tomar uma caipirinha na praia é privilégio para qualquer cristão.

Abacates com açúcar
Os abacates, comuns em muitos países onde são consumidos em saladas e molhos temperados com sal, pimenta e coentro, de que é exemplar a guacamole presente em cardápios de vários idiomas, no Brasil são preparados de um jeito bem diferente. Comidos em metade da cuia, depois de retirado o caroço, levam açúcar (muito) e limão. Como sobremesa sãos batidos no liquidificador com leite condensado e creme de leite e servido bem gelado em bowls. Também fazem com a fruta um frapê, onipresente nas casas de sucos.

Cafezinhos 
O café brasileiro é fonte de orgulho nacional, como alardeia a publicidade. Forte e doce é a maneira de beber o café nas casas brasileiras. Todos o tomam em xícaras apropriadas, pequenas. Os brasileiros utilizam para si os grãos de menor valor, pois os melhores são exportados. O cafezinho é especialmente popular, oferecido a quem chega, apreciado quando passado na hora, pretexto para conversas, saboreado ao logo do dia para ajudar a enfrentar a jornada de trabalho.”

*

Acho que o articulista francês não falseou os fatos. De minha parte, desgostei do “bizarro” do título, que me pareceu pejorativo. Porém, entendo: também nós, brasileiros, quando em outra cultura, encontramos situações que avaliamos como “bizarras”.  É o diferente, o diverso, aquilo que o olhar não reconhece como parte do seu contexto. Sempre foi assim.

Outro francês, Michel de Montaigne (1533-1592), filósofo renascentista, criticou o olhar dos cortesãos do rei Carlos IX, que examinavam alguns tupinambás levados à França em 1562 como atração quase circense. Num texto tornado célebre, “Os Canibais”, Montaigne, que esteve presente no encontro, avalia como seriam bizarros os civilizados sob o olhar dos índios. E assim escreve um dos primeiros e mais ricos registros sobre uma tentativa de compreender o “Outro”, problema crucial que perdura nas sociedades contemporâneas.

Sonia Machiavelli é professora, jornalista, escritora; membro da Academia Francana de Letras

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1 COMENTÁRIOS

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  • RAFEL
    18/11/2023
    Faltou o fenômeno do \"pobre de direita\". Só se vê por aqui.