NOSSAS LETRAS

Boleros, nada más...

'Dois pra lá, dois pra cá, cabeça rodando com os cuba-libre, gin com tônica, whisky com guaraná.' Leia o artigo de Lúcia Brigagão.

Por Lúcia Brigagão | 13/05/2023 | Tempo de leitura: 3 min
Especial para o GCN

Saudades do bolero. De ouvir bolero, de cantar bolero. Sobretudo de dançar bolero. Bolero... lembra como era? Ele vinha, nos  tirava para dançar,  pegava na cintura da gente, mão direita circundando-a completamente. Peito com peito. Sutiãs de enchimento, idênticos a ninhos de passarinho, corriam o risco de ficar achatados nos bicos. Dois pra lá, dois pra cá, cabeça rodando com os cuba-libre, gin com tônica, whisky com guaraná. Mão na mão, a gente respirando com dificuldade muito mais por causa da quentura vinda do lado de baixo do Equador, que pelo arrocho dos braços que nos rodeavam.  Medo de vexame, eles se protegiam com cuecas de apertar. De vez em quando tudo se encostava, no breque do ritmo – do rosto à ponta dos pés. Eram reduzidas essas oportunidades e experiências bolerescas nas festas domiciliares: luz excessiva, muito mais rock´n´roll que Lucho Gatica ou Gregório Barrios. O clima pintava nos clubes, nas brincadeiras dançantes, nas boites, em salões – digamos – mais privês.... De qualquer forma, quem não dançou um bolero no capricho... não sabe o que é sedução, não imagina o que seja excitação, não tem a menor idéia do significado de  lúbrico, voluptuoso, lascivo ou sensual... Saudades de bolero.

Dançar bolero e conversar simultaneamente, jamais: atividades excludentes. Fundamental entregar-se totalmente àquele exercício semelhante a prenúncio de sexo. Dos bons. Títulos - Tu me acostumbraste, Perfídia, Quizás, quizás, Contigo en la distancia, Sin ti - sugeriam amor frustrado, sofrido, assumido, drama e tragédia. La Barca é a música mais cantada no mundo todo, em todos os tempos. Fortemente presente, em todas as letras tanto o substrato de todos os boleros - os homens amam, as mulheres são (apenas) amadas; a perspectiva ou ameaça da possibilidade de perda do ser amado ou a amargura subentendida na lembrança do que passou.  Saudades de sentir bolero...

Nosso multifacetado entorno revela a presença do bolero em singulares manifestações. São verbos-boleros: arfar, fremir, estremecer, palpitar, bramir, clamar, suar, gotejar, ansiar, angustiar, anelar, ofegar, padecer, esquecer. São coisas-bolero: unhas pintadas combinando com batom vermelho, perfume com cheiro de talco, pó de arroz Promessa, maiô inteiro, brilhantina, luvas compridas, gargantilha de pérolas de três voltas, camisola de rendas, casaco de peles curto, vestido tomara-que-caia, cabelo com ondas, velas com perfume e óleos aromáticos. São atitudes-bolero: peito cheio de esperança, impulso de passear na madrugada, ficar sob a luz do poste na rua, sonhar olhando Lua Cheia, suspiros profundos. Suflê é comida-bolero. Pimenta cheirosa é condimento-bolero. A expressão “nunca mais” é absolutamente bolero. Disco de vinil, vultos enfumaçados, cigarro, abajur lilás, luz difusa são parte do cenário-bolero. Sofá de veludo, também. Homem de chapéu? De camisa preta? De bigode? Bolero puro! O Pecado Original, além de ter sido sugerido e motivado, com certeza foi cometido aos acordes de bolerão. Saudades de viver bolero...

Para captar o clima dramático de bolero é preciso tempo e imaginação. Tenha-se uma noite enluarada, ponha-se na vitrola (eletro-doméstico - bolero) o disco de vinil de Lucho Gatica. Imagine-se na praia, coqueiros balançando freneticamente (adjetivo-bolero) como antes de temporal. Vista-se com Summer (calças pretas, paletó branco - roupa-bolero). Acenda o cigarro – não precisa fumar, só a fumacinha subindo já vale. Fique em pé. Uma mão no bolso, a outra segurando o copo de whisky (com gelo e guaraná). Olhe longe, além da Lua. E deixe as frases invadirem seu coração: “Contigo en la distancia, amada mia, estoy”; “Solamente una vez amé en la vida, solamente una vez y nada más”, “Aunque sea pecado, te quiero, te quiero lo mismo”; “La puerta se cerró detrás de ti y nunca más volviste a regresar”; “Por eso me pregunto, al ver que me olvidaste, porque no me enseñaste como se vive sin ti”.

Bolero é coisa de macho. Mulher, no bolero,  é mera coadjuvante...

Saudades de bolerar!

(Comércio da Franca - 2014)


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