OPINIÃO

Diferentes

São discriminados todo e qualquer diferente, interna ou externamente (...) Valoriza-se o mediano e, em alguns casos, os que só parecem ser iguais. Leia o artigo de Lúcia Brigagão.

Por Lúcia Brigagão | 23/10/2022 | Tempo de leitura: 3 min
Especial para o GCN

A jovem mãe chega afobada ao encontro de trabalho. Mais tarde, mais calma e com visível tristeza no rosto diz em tom de lamentação: “as pessoas não estão preparadas para os diferentes!”. De tão magoada, nem se deu conta do tamanho de sua observação. Vinha de uma reunião na escola feita especialmente para espinafrar seu filho, que estaria atrapalhando as aulas com agitação, com pressa no se desincumbir das tarefas e ficar “atentando os outros”. O “diferente” era o filho, de cinco anos. Cinco.

Dias antes, a professora chamara sua atenção em classe, por insubordinação, na frente de todos os colegas: “bem se vê que você não tem pai!” Cinco anos tem a criança: não é adolescente malcriado, não é púbere agressivo, muito menos adulto que age com consciência e trama o grau da alfinetada. Tem cinco anos e sua “insubordinação” é decorrência do TDAH (Transtorno por déficit de atenção com hiperatividade).

Bom dizer que ele "se pela de medo" da mãe que, sim, não é casada, - daí a professora acusá-lo de bastardo, e enfrenta a dor da chegada de ameaçador irmãozinho que ele não pediu para ter. Respeita a mãe que exige dele polidez para com as pessoas e lhe ensina ter consideração com as pessoas. É “diferente” porque não é calmo, não é passivo, não presta atenção ao que não lhe interessa e é impulsivo. Vai aprender a se controlar bem mais tarde, quando amadurecer um pouco. Se for professor, tomara que não acuse de “bastardos” pequenos alunos indefesos e assuma sua deficiência em não conseguir controlar uma classe de crianças.

De um lado há que se defender o professor que ganha pouco, faz dupla, tripla jornada de trabalho para ter e oferecer aos seus uma vida mais confortável, figura que no Brasil é vilipendiada, diminuída, humilhada, que deveria ser tão importante quanto outros construtores da realidade brasileira e que tem um salário indigno, que nenhum político - municipal, estadual ou federal - aceitaria. De outro lado, é de estarrecer o despreparo do profissional que se sente ameaçado e agride verbalmente uma criança de cinco anos. Mesmo que ela seja “diferente” das demais.

Conhecido conta de amiga inteligente e culta que domina seis línguas estrangeiras, bom papo, delicada com as pessoas, divertida, receptiva, alegre. Gorda. Fora do estereótipo de beleza vigente. Fica isolada nas festas porque não é considerada atraente pelos demais. Ela não se encaixa na expectativa de beleza como a promovida por nossa sociedade.

Quem nunca ouviu dos pais: “por que você inventa tanto? Olha como todo mundo faz, para que ser diferente?” Como terá reagido a mãe de Picasso quando ele lhe apresentou um de seus primeiros desenhos? Como terá se comportado o professor de educação física da escola do primeiro aluno paraplégico que teve vontade de jogar basquete?  Será que a professora dos Irmãos Grimm disse para eles pararem de inventar histórias? O que teria acontecido se a tia de John Lennon exigisse que ele interrompesse aquela música barulhenta? Ou Santos Dumont atendesse pedidos para não ousar sair do chão? O progresso é resultado da ousadia dos diferentes.

São discriminados todo e qualquer diferente, interna ou externamente, por exemplo: os muito magros, os muito gordos. Os muito altos, os muito baixos. Os muito bonitos, os muito feios. Os muito inteligentes, os broncos. Os religiosos, os ímpios. Valoriza-se o mediano e, em alguns casos, os que só parecem ser iguais. Os que não fazem parte do rebanho, que ousam tirar a cabeça para fora da multidão ou que possam alterar a mesmice - tão confortável e acolhedora, são temidos. E esses, os “diferentes”, sofrem: possuem extraordinária sensibilidade, apanham mais, sentem mais dor, percebem mais. Em contrapartida, como compensação, eles - apenas eles - conseguem transformar o mundo.

Lúcia Helena Maniglia Brigagão é publicitária e escritora.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

Fale com o GCN/Sampi! Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Receba as notícias mais relevantes de Franca e região direto no seu WhatsApp
Participe da Comunidade

2 COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.

  • Eunice de Andrade
    27/10/2022
    Tema tratado com muita lucidez e sensibilidade. Parabéns!!
  • José Américo Braia Taveira
    24/10/2022
    MESTRA QUERIDA, Como você consegue ver e falar de coisas tão complexas, com tanta lucidez. PARABÉNS, VOCÊ me representa. Quero VOCÊ pra ser minha CANDIDATA. Muita Luz e fiquem com Deus.