OPINIÃO

Assédio...

Falta muita educação e tempo para nos tornarmos, de fato, homens e mulheres iguais diante da lei e dos direitos humanos. Leia o artigo de Lúcia Brigagão.

Por Lúcia Brigagão | 14/08/2022 | Tempo de leitura: 3 min
especial para o GCN

...abuso ou facilitação? “Cuidado! Não converse com estranhos. Não aceite balas ou chocolates de pessoas que você nunca viu. Não entre em carro, nem de conhecidos. Não se deixe tocar por ninguém. Seu corpo é sagrado. Não existe copo coletivo de refrigerante. Não acredite em desconhecidos. Só peça informação para policiais. Não tema escândalo: se for importunada, grite.” Instruções familiares? Pois é.

Tais observações fizeram parte da minha educação e da minha filha, por incrível que pareça. Junto com outras regras, foram rigorosamente prescritos de modo que, posso afirmar, os perigos rondaram, mas não chegaram a atingir. E existiram, posso provar. Por exemplo, frequentava a casa dos meus pais conhecidíssima figura pública da cidade, vizinho de rua. Íntimo da família: nem batia à porta para entrar. Influente, socialmente prestigiado, midiático. Falante, envolvente, polarizava facilmente as atenções dos adultos. Muito carinhoso. Muito. Demais. Vivia abraçando a gente, minha irmã e eu, pequenas ainda. Qualquer pretexto, entrava no nosso quarto: para nos ver, para nos medir a temperatura, para ver se estávamos bem. E se encostava, discretamente se esfregava na gente. Um horror. Sem nunca trocarmos palavra sobre o estranho procedimento, minha irmã e fugíamos dele, de comum acordo. Certamente, se falássemos para nossos pais, eles nos reprovariam: imagine só acusarmos o sujeito, cidadão acima de qualquer suspeita. Nós nos protegíamos a partir daquelas outras instruções familiares. Numa outra fase, já mais crescidas, o cidadão veio com o filho. Depois de lenga-lenga nos fizeram pedido tão esdrúxulo que eu os botei da sala para fora. Nunca mais apareceram.

Na cidade havia dois sujeitos de quem quase todas as moças e meninas fugiam. Costumavam nos assediar no escurinho do cinema, ou nos acompanhando nas ruas com o carro. Não tão perigosos, antes ridículos, de certa forma engraçados, pois figuras conhecidas que, quando não estavam caçando, eram inofensivos. E nunca soube que conseguiram seus intentos.

Passou o tempo, perversões continuam existindo - sem chance de desaparecerem - técnicas de assédio ficaram mais elaboradas, drogas liberam monstros que existem atrás de belas fachadas. Sabemos muito mais sobre abuso sexual, as famílias conversam abertamente sobre o tema, as escolas instruem sobre sexo. E algo está errado, algo que emperra a possibilidade da detecção precoce dos abusos, que continuam acontecendo nas casas, nas ruas, nas escolas, nos condomínios, nos hospitais, nos salões. As crianças estão mais espertas, mais antenadas. Meninos e meninas têm recursos reais e virtuais para ver, ouvir, saber, olhar o que bem entenderem. Em que pese toda a carga de informação, o número de casos de gravidez precoce, com paternidade revelada ou não reconhecida é assustador. Os casos de assédio assustam, são aterrorizantes, mas os bandidos já encontraram até quem os justifique e proteja nos altos escalões.

De outro lado, o que também chama a atenção é a fragilidade dos profissionais diante da possibilidade de acusação de assédio. Médicos e dentistas dificilmente atendem sem a presença (constrangedora, às vezes) de assistentes. Diretores de empresas evitam ficar sozinhos com clientes e até funcionários. Professores, que andavam com as mãos nas costas dos alunos, mantêm distância deles. Todos se mostram precavidos, receosos, ressabiados e espertos. Perdemos a naturalidade no convívio pois, se de um lado tememos o ataque, de outro, há medo de o carinho ser confundido com ousadia.

As roupas das mulheres encurtaram e encolheram desde algum tempo: comediante conhecido disse, certa vez, que desejaria estar vivo para ver o muito provável encontro da barra das saias femininas com o final do decote das blusas delas. Piada machista? Não sei. A forma como dançam, são fotografadas e se deixam fotografar me parece ousada: vai ver que é tudo fruto da minha (má)criação, mas lembro-me de ter ouvido que “quem não quer ser lobo, que não vista a pele”. Não sei exatamente até onde vai a ousadia, a falta de delicadeza e o atrevimento masculino. Mas também não sei até onde vai o pudor e o senso de perigo femininos. Falta muita educação e tempo para nos tornarmos, de fato, homens e mulheres iguais diante da lei e dos direitos humanos.

Pronto! Acabei de armar encrenca com as feministas...

Lúcia Helena Maniglia Brigagão é publicitária e escritora.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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