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Kant e as metáforas da razão

Além do rigor conceitual, a obra de Immanuel Kant (1724-1804) está repleta de importantes metáforas. Leia o artigo de Orlando Bruno Linhares.

Por Orlando Bruno Linhares | 02/07/2022 | Tempo de leitura: 4 min
especial para o GCN

Além do rigor conceitual, a obra de Immanuel Kant (1724-1804) está repleta de importantes metáforas. Algumas das que mais se destacam no domínio epistemológico são: O Tribunal da Razão, A Revolução Copernicana, O Despertar do Sono Dogmático, A Grande Luz, de 1769, e A Terra da Verdade, rodeada de um largo e proceloso oceano.

De um lado, ele as emprega para explicar e justificar uma distinção no interior de sua trajetória intelectual entre a fase pré-crítica (1747-1769) e a fase crítica (1770-1800) e, de outro, a passagem da primeira para a segunda. Em alguns textos da fase pré-crítica (por exemplo, História geral da natureza e teoria do céu e Monadologia física, publicados em 1755 e 1756 respectivamente), Kant, ao tratar do problema do conhecimento através da perspectiva do realismo transcendental, argumenta que é possível conhecer o mundo em sua totalidade e suas partes últimas como coisas em si mesmas.

Na fase cujo texto central é a Crítica da razão pura (a primeira edição aparece em 1781), ao se opor aos seus antecessores e a sua primeira fase, Kant refuta o realismo transcendental e inaugura o idealismo transcendental, argumentando que os objetos não são coisas em si, mas apenas fenômenos condicionados por nossas faculdades cognitivas: a sensibilidade e o entendimento.

O prefácio da Crítica da razão pura apresenta conceitualmente e metaforicamente a passagem do realismo transcendental para o idealismo transcendental. Metaforicamente, Kant faz neste prefácio uma analogia da mudança de paradigma proposta por Copérnico na astronomia com a que ele estabelece para a epistemologia. Em As revoluções dos orbes celestes, Nicolau Copérnico tentou solucionar o problema do movimento planetário da cosmologia ptolomaica admitindo a hipótese heliocêntrica, embora mantivesse ainda os epiciclos e os movimentos circulares dos planetas de acordo com a concepção do astrônomo da antiguidade.

Em analogia com Copérnico, a revolução proposta por Kant visa estabelecer uma nova fundamentação epistemológica para as ciências físico-matemáticas e negar as pretensões de objetividade da metafísica tradicional (a ontologia e a metafísica especial). Em vez de admitir a hipótese realista transcendental da metafísica tradicional que o nosso conhecimento é regulado pelos objetos, compreendidos como coisas em si mesmas, Kant propõe a perspectiva idealista transcendental e argumenta que os objetos, compreendidos como fenômenos, devem ser regulados por nossas faculdades cognitivas, pois somente deste modo é possível ter deles conhecimento a priori, garantindo que as leis das ciências físico-matemáticas sejam dotadas de estrita necessidade e universalidade e ainda provar que as questões metafísicas carecem de sentido.

Sem dúvidas, A Revolução Copernicana é a metáfora mais importante, pois apresenta a mudança de perspectiva na filosofia teórica de Kant e todas as outras acima mencionadas só podem ser compreendidas à luz dela. O tribunal da razão é uma metáfora formulada, no primeiro prefácio da Crítica da razão pura, em linguagem jurídica e atribui apenas à razão humana o papel de investigar as origens, os limites e a validade do conhecimento.

Em 1783, na introdução aos Prolegômenos a toda metafísica futura, o filósofo alemão, ao fazer um relato autobiográfico sobre sua trajetória intelectual, afirma que o problema da causalidade, sob a influência de David Hume, o despertou de seu sonho dogmático e o conduziu à filosofia crítica. O dogmatismo ao qual Kant se refere nesta metáfora é representado pelo racionalismo da escola Leibniz-wolffiana.

Ao longo de toda a sua carreira, Kant fez várias anotações nas margens de alguns de seus livros e nos versos de algumas cartas, mas sem a intenção de publicá-las. Na nota 5037, da segunda metade da década de 1770, ele escreve: "o ano de 69 me trouxe uma grande luz". A grande luz de 1769 refere-se ao problema das antinomias, isto é, no domínio do realismo transcendental, a razão é levada à formulação de quatro pares de teses opostas em relação à cosmologia racional: a origem do universo no espaço e no tempo, a divisão das partículas da matéria, a possibilidade da liberdade humana frente ao determinismo das leis naturais e a existência de um ser necessário como parte do mundo e causa dele.

A última metáfora, A Terra da Verdade, rodeada de um largo e proceloso oceano, formulada no capítulo da Crítica da razão pura, intitulado do princípio da distinção de todos os objetos em fenômenos e números, trata de limitar todo o conhecimento humano possível ao domínio dos fenômenos.

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