OPINIÃO

Lembranças

Sonhava, e felizmente realizei a vontade, de num futuro conhecer a Sicília, Itália. Nem faz tanto tempo assim, mas foi antes da Pandemia. Leia o artigo de Lúcia Brigagão.

Por Lúcia Brigagão | 24/04/2022 | Tempo de leitura: 3 min
especial para o GCN

Faz frio. Há bruma. Não é agosto, porém abril já vai em meio. Para nós, que gostamos do friozinho, do ar meio parado, que temos nostalgia dentro do peito, chegou o momento da produção literária que evoca tempos passados, lembranças esmaecidas, saudades latentes. Por vezes inomináveis. Saudades do que vivemos, saudades do que nunca aconteceu. Saudades. Você gosta de frio? perguntam-me. Adoro, respondo. Não acredito, respondem. Você parece ter vocação para areia, caipirinha, barraca de praia, biquíni, samba, suor e cerveja, embora mar, cachoeira, neve e gelo pareçam fazer seus olhos brilharem. Pois é, respondo: já dizia Sueli Costa, “as aparências enganam aos que odeiam, aos que amam”...

Sonhava, e felizmente realizei a vontade, de num futuro conhecer a Sicília, Itália. Nem faz tanto tempo assim, mas foi antes da Pandemia. Reunimo-nos com amigos para planejar a viagem. Cheia de prospects e desejos, eu levei cópias, mapas e recortes daquela ilha, parte do sul da Itália. Não. Minha família é originária também do sul, mas não é ilha, é continente. Como boa italiana, fui à reunião, preparada para discutir roteiro e lugares, para bater o punho na tábua da mesa, insistir. E tomar vinho. Não foi preciso. Meus argumentos persuasivos ficaram no roteiro, na nominação, indicação e descrição de cidades como Palermo, Taormina, Siracusa, Catânia, Ragusa, Módica e Lampedusa. Hoje, não titubeio em falar sobre elas mas, na época, eu tinha que vender produto desconhecido, fruto de marketing e argumentos de algibeira. Como meus companheiros, eu nunca havia estado lá. Só conhecia, e ainda assim, pelo cinema, Palermo e arredores, pelo O Poderoso Chefão, Cinema Paradiso e Johnny Stecchino; a estranha Matera, pelo Mulher Maravilha e A Última Tentação de Cristo; a espetacular Siracusa, por Malena. Tinha, ainda, referências saborosas sobre Monreale, Cefalù, Agrigento, Erice e Ústica. Decidimos nos estabelecer em Palermo e Taormina, em duas etapas, embora nem tão longe assim estivessem uma da outra.

Em Palermo nos esperava a Lua Cheia que nascia no mar, em frente ao nosso quarto. Em Taormina, sem que encomendássemos, estávamos no mesmo hotel que o conjunto musical Il Volo, que apresentaria nos dias seguintes, espetáculo no Teatro Grego de frente para o Mar e o vulcão Etna, sob Lua Cheia que se refletia no mar, tudo à nossa frente. Tomávamos café da manhã com o muito mal-humorado Ignazio Boschetto, com o tímido Piero Barone e o simpático Gianluca Ginoble, que nos fotografou junto com eles. Saí levitando de Taormina. Tornei a levitar em Siracusa, por dois motivos. Primeiro, porque nunca vi tanto lagarto cruzando minha frente... (Fiquei tão aterrorizada, que quis aprender a palavra em italiano: lucertola.) Segundo, porque revi a cena memorável de Malena, quando Monica Vitti, a viúva mais cobiçada e honesta da cidade atravessa altivamente a praça em frente à Cattedrale Metropolitana della Natività di Maria Santissima dedicada a Santa Lucia, é assediada pelos vagabundos de plantão, é seguida por olhares de ódio das comadres maldosas que sempre existem perseguindo alguém superior a elas, em algum e qualquer sentido. Nesse momento me flagrei melancólica, saudosa, alternando lembranças. Vi que alegria e tristeza nada mais são que lados da mesma moeda. Concluí que a vida é constituída de momentos que alternam estes sentimentos. E que lembranças são o doce rescaldo da vida.

Lúcia Helena Maniglia Brigagão é publicitária e escritora.

           

                           

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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