Fim da Justiça Gratuita?

Há algumas semanas, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania tinha dado parecer favorável a um Projeto de Lei que autorizava a cobrança das despesas da Perícia Médica Judicial de quem entrar com ação, mesmo que o processo tenha seus trâmites no Juizado Especial.

Por Tiago Faggioni Bachur | 21/08/2021 | Tempo de leitura: 4 min
Especial para o GCN

Em sua casa, a renda (por pessoa) passa de meio salário mínimo ou a somatória do que todos ganham ultrapassa 3 (três) salários mínimos? Se a resposta for sim, prepare o seu bolso - caso precise da Justiça. 

Há algumas semanas, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania tinha dado parecer favorável a um Projeto de Lei que autorizava a cobrança das despesas da Perícia Médica Judicial de quem entrar com ação, mesmo que o processo tenha seus trâmites no Juizado Especial. 

Agora, a Medida Provisória nº 1045/2021, conseguiu prejudicar ainda mais a vida de quem ganha um pouco mais de meio salário mínimo por pessoa. Referida norma restringe o acesso à Justiça, deixando de conceder gratuidade para quem não pode pagar as despesas de um processo judicial. Assim, já foi aprovado na Câmara dos Deputados e se o texto for aprovado pelo Senado também e, ao final, pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), haverá cobrança inclusive em juizados especiais federais (conhecidos como de pequenas causas). 

De acordo com o texto da lei, quem tiver renda por pessoa superior à meio salário mínimo (atualmente, R$ 550,00) ou a renda da família superar 3 (três) salários (equivalente a R$ 3.300,00), o cidadão terá que arcar com TODAS as despesas da Justiça.  

Ressalta-se que para ter a isenção das despesas, a regra nova diz que o requerente terá que estar cadastrado no CADÚnico – fato este que, além de burocratizar, sobrecarregará os setores de Assistência Social dos Municípios. 

E o pior, é que a análise poderá não levar em conta os gastos que a família possui com saúde, educação, transporte, etc. 

Portanto, se o Congresso aprovar tais mudanças, quem pretender entrar com ação na Justiça e não encaixar na situação de isenção, terá despesas com a distribuição da ação, guias de oficial de Justiça, carta precatória, taxa de recurso, perícias, etc. E se perder a ação, ainda corre o risco de ter que pagar sucumbência para o advogado da parte contrária. Para quem não sabe, a sucumbência é uma espécie de “bonificação” que o Juiz ou Tribunal pode arbitrar em favor do advogado que venceu a ação. Essa sucumbência pode variar entre 10% a 20% do valor da causa ou da pretensão. Nos Juizados Especiais Federais (JEF), o valor máximo da causa é de 60 (sessenta) salários mínimos. Numa ação previdenciária, por exemplo, levada à segunda instância, se o segurado perder, poderá ser condenado à pagar de R$ 6.000,00 a R$ 12.000,00 para a Procuradoria do INSS, caso não se encaixe nas situações de isenção das taxas e gratuidade da Justiça.

Hoje, para ser beneficiário da Justiça da Gratuita, isto é, para ficar livre das despesas e custas processuais, basta uma declaração dizendo que é pobre e que não possui condições de arcar com tais gastos. É claro que pode existir abuso, mas a parte contrária poderá impugnar a gratuidade concedida pela Justiça. E, caso comprovada que a informação é falsa (ou seja, que o cidadão tinha condições de arcar com custas e despesas processuais), a Justiça pode condená-lo a pagar até 10 (dez) vezes o valor. 

Da forma em que está no texto da nova lei, se a referida norma passar, muitas pessoas vão desistir de buscar o seu Direito na Justiça. As novas regras atingirá todos os tipos de processos: causas da área de família (divórcio, pensão alimentícia, inventário, etc), ações cíveis (indenização, direito do consumidor, bancário, locação, etc), previdenciário (aposentadorias, pensões, revisões, benefícios por incapacidade, etc), enfim, todos os casos que precisariam ser decididos pela Justiça. 

Trazendo a situação para nossa realidade e exemplificando. Imagine um casal que tenha um filho, onde todos trabalhem na indústria de calçados. Apenas por ganhar o piso da categoria (que, infelizmente, não é grande coisa), se as novas regras já tivessem valendo, poderiam estar fora da gratuidade da Justiça. Qualquer coisa, que qualquer um deles, fosse discutir na Justiça (um despejo, pensão alimentícia, batida de carro, juros abusivos de cobrança bancária, desfazimento de negócio de produto defeituoso, benefícios do INSS, etc), já sentiria no “bolso” o “peso” dessas novas regras. Alguns poderão até dizer que essas despesas poderão ser reembolsadas, caso ganhe a ação. No entanto, por vezes o que se gastará sem a efetiva certeza de que tudo dará certo pode ser maior do que o que se pretende receber. 

Nessa perspectiva, teremos um aumento de INJUSTIÇAS. Muitos abusos poderão ocorrer, pois aquele que sofreu iniquidade não poderá arcar, de fato, com os gastos processuais. Poderão aparecer novos “tiranos”, posto que saberão que não será procurado pela Justiça. 

Mas, as estatísticas serão maravilhosas. Teremos uma diminuição significativa de números de processos na Justiça. Não porque o governo aparelhou adequadamente o sistema e deixou o Judiciário mais eficiente. Mas, porque houve a restrição ao acesso à Justiça.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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