Recomeço

Por Lúcia Brigagão | 02/01/2021 | Tempo de leitura: 3 min
Especial para o GCN

Pela primeira vez, desde há muito, sem planos para o Ano Novo. Evitei pensar nas noites em branco, nas tristezas, perdas, nos perigos a que estivemos expostos no ano que findou, mas percebi que seria importante fazer algumas proposições porque, queiramos ou não, o ser humano vive na esperança de alguma coisa. Espera que as pessoas se tornem melhores, mais amorosas, menos ofensivas. Espera que cada um cuide da sua própria vida e deixe a dos outros em paz porque, se de perto ninguém é normal, conforme Nelson Rodrigues, se todo mundo conhecesse a intimidade de todo mundo, ninguém conversaria com ninguém.

Foi um ano difícil, com certeza. O medo do contágio permeou as relações dentro e fora da família e, com certeza, o confinamento foi aproveitado e usado como pretexto para que algumas relações sociais fossem definitivamente estremecidas e muitos dessem o fora da vida de desafetos ou de pessoas das quais não sabiam como se desvencilhar. O pretexto do confinamento, do distanciamento veio a calhar e muito oportunamente. Muitas relações de amizade, quiçá de amor ficaram e até se solidificaram. Talvez outras tenham iniciado, quem sabe. Muitos ganharam força para dar início a antes impensáveis e novos projetos, outros ganharam coragem para transformar suas vidas radicalmente. Mudanças de planos e de rotinas foram constantes. A saudade dos encontros e da rotina antiga permeou as conversas o tempo todo. E o bicho se manifestou na vida da maioria das famílias, não respeitou o cuidado que muitos tomaram. Famílias foram contaminadas, eventualmente com o registro de pouquíssimos casos, mas nenhuma escapou. Mesmo que o resguardo tenha sido xiita, levado a extremos, evitado até fervorosamente, mesmo assim houve infiltração do bicho invisível e aconteceu a contaminação. E mortes.

Sinceramente? Não sei se voltaremos ao normal nos próximos meses. Nem sei se voltaremos à antiga forma de relacionamentos, nos próximos anos. Não sei se dispensaremos o uso de máscaras e voltaremos a ver o sorriso ou o arreganhar de dentes das pessoas que cruzam conosco no trânsito, nos supermercados, nas filas de banco. Perderemos a lembrança do sorriso dos vizinhos, dos amigos mais distantes que ficarão restritos às fotografias do passado. Festas, nem pensar. Adeus vestidos bonitos, adeus ternos de bom corte, saltos altos, maquiagens. Adeus bandas nos salões entretendo centenas de pessoas aglomeradas nas dependências do clube. Sinceramente? Muito triste viver assim. Sem aulas para jovens estudantes, sem cinemas, restaurantes, sem público para aplaudir artistas. Malditos chineses, malditos políticos, malditos todos aqueles que ainda apoiam quem nos destrói.

E ainda há outros agravantes. A violência urbana aumentou, paradoxalmente. No trânsito, principalmente. A sensação de vulnerabilidade e respeito que deveria permear as relações entre as pessoas e até protegê-las, praticamente não existe mais. A maioria dos motoristas se sente no comando de máquinas que poderão, a qualquer momento, ser abalroadas por outro carro, por motos que surgem do nada e desafiam leis e até por caminhões dirigidos por motoristas desesperados. É salve-se quem puder e saudações nada delicadas, o tempo todo. Atravessar a pé qualquer rua é desafio, respeito a sinais de trânsito e limites de velocidade não são observados. Não sei se por ignorância ou desconhecimento. Lamentavelmente.

Tristes tempos de individualismo, desrespeito, ignorância e medo.

Não sei o que dizer às pessoas nesta entrada de novo ano. Não sei como cumprimentá-las. Não sei o que lhes desejaria. Sem poder abraçá-las ou pegar em suas mãos só posso esperar: que Deus nos proteja; que tenhamos força para continuar; que os próximos dias e meses nos tragam luz; que a esperança não nos abandone.

Vamos recomeçar: esse é o propósito.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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