Meada sem fio

Já se vão nove dias desde que Wesley Alves, um tímido e introspectivo garoto de 13 anos, desapareceu após dizer às irmãs, uma mais velha e outra mais nova, que iria ao varejão.

Por Corrêa Neves Jr | 06/09/2020 | Tempo de leitura: 5 min
Diretor de Redação

“Só sei que nada sei”

Sócrates, filósofo grego

 

Já se vão nove dias desde que Wesley Alves, um tímido e introspectivo garoto de 13 anos, desapareceu após dizer às irmãs, uma mais velha e outra mais nova, que iria ao varejão. Foi por volta de 16h de sexta-feira, 28 de agosto. A mãe havia acabado de sair para trabalhar, o pai ainda não tinha retornado do serviço. Wesley, adolescente com jeito de criança, vestia um moleton do Pateta, uma calça confortável, escura, dessas boas de “curtir preguiça” em casa, máscara e chinelos. Não pegou o RG, não tinha dinheiro, não carregou consigo uma troca de roupa. Também não levou o celular, mesmo porque não tinha. O aparelho que usava era o da mãe.

Desde então, Wesley não falou com mais ninguém da família. Tudo que se sabe dele, a partir daí, está nos registros de algumas câmeras de segurança que mostram o trajeto de sua casa, no Jardim Aeroporto, até um ponto às margens da rodovia Ronan Rocha, em frente a um pesque-pague, próximo ao Vila Ventura.

Tenho 25 anos de profissão. Nesta jornada, já vi muita coisa trágica, dramática, escabrosa. Mas nada, nem remotamente, tão esquisita e misteriosa quanto as circunstâncias que envolvem o desaparecimento de Wesley Alves.

Por todos os relatos surgidos até agora, Wesley era um mínimo absolutamente normal. Era tímido e introspectivo, mas isso não é defeito. São, apenas, características. Pais, primos, tios, vizinhos, colegas de escola, professores e coordenadores são unânimes em descrevê-lo como um garoto muito educado e inteligente. Ninguém se lembra de uma briga. Não há registro de envolvimento com álcool ou drogas. Nunca houve indicação de que fosse portador de alguma patologia como esquizofrenia ou transtorno de personalidade.

Desde o início, o caso é tratado como uma fuga. Deduz-se que Wesley, por alguma razão, quis ir embora de sua casa, deliberadamente, ainda que, até onde é possível alcançar, nada tenha acontecido que pudesse explicar, minimamente, sua decisão. Segundo os pais, no dia anterior, houve uma discussão entre a mãe e o filho por conta do uso do celular. A mãe deu uma bronca, colocou Wesley de castigo, e foi só. Nada diferente do que acontece na casa de qualquer família que tenha crianças ou adolescentes entre seus membros. Pais chamam a atenção, colocam de castigo... Isso, desde que não acompanhado de violência física ou psicológica, é parte do processo de educar.

Ainda assim, o fato é que Wesley Alves está desaparecido. Desde a sexta-feira em que ele sumiu, as mesmas perguntas têm sido repetidas por milhares de pessoas. Onde está Wesley? Como um menino de 13 anos pode sumir assim? O que aconteceu?

Ninguém tem qualquer resposta até agora. A própria Polícia Civil, a quem compete a investigação, admite que não tem nenhuma pista sobre o paradeiro do garoto. Para piorar, as imagens das câmeras de segurança da rodovia Ronan Rocha, gravadas pela concessionária Arteris/Via Paulista, desgraçadamente ainda não foram entregues às autoridades policiais, o que é uma irresponsabilidade, porque representam a melhor chance de revelar que rumo o garoto tomou após o último registro dele conhecido.

O telefone da mãe, que ele usava para jogar, só foi recolhido pela Polícia na sexta e ainda vai passar por perícia em busca de algum detalhe que possa ajudar a encontrá-lo. Neste instante, estamos diante de uma meada – mas sem o fio.

Na falta de quaisquer outros elementos e na ausência de uma linha de investigação mais clara, examinar os vídeos das câmeras de segurança é o que pode ser feito em busca de algumas respostas. Devo ter assistido umas cem vezes, pelo menos, cada sequência. Algumas coisas me intrigam.

Nas imagens, é possível ver que Wesley está tranquilo. Ele não se esconde, não tem comportamento furtivo, não acelera o passo. Também não parece ter dúvidas do caminho que pretende seguir. Ele não hesita, em nenhum momento. Caminha, normalmente, em direção a algum lugar, sem desespero, sem pressa, sem afobação.

Ele veste roupas destas usadas para ficar em casa. Mas ainda mais importante que o moletom e a calça, para mim, é o chinelo. É difícil imaginar que uma pessoa que pretenda fugir de casa saia de chinelos. É até instintivo, da natureza humana, proteger-se, o que nele fica ainda mais reforçado pelo uso da máscara. Não há qualquer sentido imaginar que alguém em fuga iria se preocupar em usar máscara, mas não calçaria um tênis. Que não leve consigo dinheiro, por menor que fosse a quantia. Que não carregue junto uma troca de roupas. Wesley sai da sua casa como alguém que, de fato, pretendia voltar rápido.

Imagino também que o que quer que seja que Wesley pretendesse fazer, não queria que os pais soubessem nem o que faria nem com quem se encontraria. Ele só sai de casa depois que sua mãe vai para o trabalho, às 15h. Fala para as irmãs que vai ao varejão, mas passa reto. E tenho comigo que ele pretendia estar de volta antes do horário que o pai chegaria, por volta de 19h.

Há, por fim, o mistério da bicicleta vermelha. Ela realmente foi furtada, no Aeroporto, no período em que Wesley já estava fora de casa. A bike estava parada em frente a um estabelecimento quando foi furtada por alguém. Apesar da polícia dizer que não tem convicção de que seja ele nas imagens da rodovia Ronan Rocha, os pais garantem não ter qualquer dúvida de que aquele menino é seu filho.

Fica, então, mais uma dúvida. Por que um garoto sem qualquer histórico de envolvimento com crimes, sem registro de uso de entorpecentes, furtaria uma bicicleta? Por que iria para uma rodovia com ela? Nos instantes finais da última sequência de imagens, o garoto olha para trás. Ele estava sendo seguido? Ele se sentiu ameaçado? Não dá para saber. Pelo menos, enquanto a concessionária Arteris/Via Paulista não se dignar a fornecer as imagens.

Não sei o que aconteceu, mas arrisco dizer o que não aconteceu. Wesley, para mim, não fugiu de casa. Alguma coisa de muito grave aconteceu nestas duas horas de sexta-feira que ainda não foi possível explicar, mas nada tem a ver com a decisão de ir embora de sua casa. É preciso que a polícia intensifique a investigação e recorra às medidas necessárias para obrigar a Via Paulista a entregar as gravações da rodovia. Também seria importante que começasse a considerar, com mais seriedade, a hipótese de que, esteja onde estiver, Wesley não controla neste instante o seu destino. A menos que ele seja o protagonista da fuga de casa mais esquisita de todos os tempos, Wesley está longe, mas contra a sua vontade.

Onde está Wesley? Essa é uma pergunta que precisa ser respondida. Urgentemente.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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