Mulher(es)

Sinceramente? Adoro ser mulher. Não é fácil, há que se lutar. E muito. Fui primeira filha, neta, sobrinha, irmã.

07/03/2020 | Tempo de leitura: 2 min

Sinceramente? Adoro ser mulher. Não é fácil, há que se lutar. E muito. Fui primeira filha, neta, sobrinha, irmã. Sim, eventualmente fui passada para trás, relegada a plano inferior. Porém desfrutei do privilégio. Para mim, exclusivamente, foram os primeiros sorrisos e a deliciosa inexperiência dos pais, a delicadeza deles para lidar com o bebê, o medo de perdê-lo. Depois que vieram os seguintes, começaram a tirar-lhes o sono e a preocupar: o que será deles? Como lhes daremos instrução e educação? Embora financeiramente ligeiramente abaixo da classe média da época, os pais conseguiram sobreviver e educar as crianças. Alimentaram-nas, colocaram-nas em escolas públicas. Elas cresceram e deram trabalho. O que atrapalhou ligeiramente foi a filosofia machista da família. Em casa de italianos, quem dá as cartas são os homens... Justamente aí o caldo entornou. Pouquinho, mas derramou...

Percebi que tudo estava mudado quando meu irmão, o terceiro da fila, tirou carta de motorista antes de mim e de minha irmã, embora fosse mais novo que nós, porque o orçamento era curto, a quantia correspondente ao documento dava só para um, nós morávamos distantes do centro, era mais prático ele ficar com a carta, o carro mais a responsabilidade de transportar irmãs para lá e para cá. Pelo menos foi esse o argumento que papai usou. Desconfio que ele torceu ligeiramente a barra... Sim, posso jurar que eles deram gravata em nós, para privilegiar o maschio da prole... Mas ganhei a primeira oportunidade de me fazer valer. Trabalhei duro, comecei a dar aulas particulares, aprendi a acompanhar estudantes com alguma dificuldade e fui ganhando, ganhando, poupando, poupando, até conseguir pagar as aulas da auto-escola. Um dia cheguei em casa sem carro, mas com carteira de habilitação novinha em folha. Foi assim, de vitória em vitória que aprendi a ser mulher... Na base do sangue, suor e cerveja... Minhas ancestrais foram corajosas, pertinazes, audaciosas, destemidas, valentes, ousadas, teimosas, nunca aceitaram a primeira resposta, principalmente se fosse alguma negação. Discutiam tenazmente com seus companheiros, viajavam desacompanhadas: tia Luiza, noventa anos, vinha de São Paulo até Barrinha de trem, fazia baldeação, descia na rodoviária francana e caminhava até à casa da irmã, vovó. Carregava sozinha sua bagagem. Ah! E era separada do marido.

Durante anos me mantive distante das rodas de meninas bem comportadas. Não cabia no modelo delas. Gostava de ler, de aventuras, de carnaval, de bailes, de conversar, de escrever. Aprendi a me defender. Vestido bonito bordado, sessão das seis no cinema, namorado me proibindo isso e aquilo, não faziam meu gênero. Às vezes tento explicar para as netas esse comportamento atrapalhado. Elas ouvem as histórias familiares a meu respeito, arregalam os olhos e eu lhes afirmo que adoro ser livre, que escolhi companheiro maravilhoso que me respeita, que não tenho medo de ataques, que sou mulher e que faço valer tal privilégio, que ninguém me empoderou, que eu fiz meu caminho. Disse-lhes há muito, repito sempre: mesmo que num mínimo espaço, ser Mulher é sempre o máximo.


Lúcia Helena Maniglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br

 

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