Fantasias

Como se comportou ao longo do ano, merece o presente com que sonha. Vai ganhar um videogame novo.

15/12/2019 | Tempo de leitura: 3 min

“A verdadeira viagem da descoberta consiste não em buscar novas paisagens, mas em ter olhos novos”
Marcel Proust, escritor francês

 

Estava sentado na varada de casa na semana passada. Enquanto Milena se desdobrava na aventura cotidiana de alimentar e checar todos os bichos – Inca, Cisco, Hannah, Bela, Lisa, Mel, entre gatos e cachorros –, eu batia papo com o João. As notas da escola tinham saído e ele estava aprovado, com louvor, para seguir rumo ao quinto ano da Toulouse-Lautrec. Como se comportou ao longo do ano, merece o presente com que sonha. Vai ganhar um videogame novo. O antigo, doou para ser sorteado, junto com outros brinquedos, na festa de Natal da ONG Academia de Artes.

Discutíamos se o melhor seria Xbox One ou Playstation 4. Disse que como estaremos fora de Franca no Natal, ele precisava resolver logo para que pudéssemos avisar o Papai Noel sobre onde deixar o presente. Ele começou a rir.

- Ãham - disse.

Perguntei o que ele queria dizer com aquilo.

- Nada não, papai. Você tinha falado que ia comprar o videogame. Agora falou que é o Papai Noel.

Na hora, desconversei. João fez cara de maroto, realçando as covinhas que são marca registrada. Pernas cruzadas como se adulto fosse, sapecou.

- Eu também sei jogar, papai.

Fiquei emudecido, com receio de “descobrir” o que já se anunciava óbvio.

Nesta última quinta-feira, o assunto do videogame ressurgiu. Era preciso tomar uma decisão sobre o modelo a “pedir para o Papai Noel”.

- Eu sei que você é que vai comprar, papai.

Minha mulher não aguentou. Direta, perguntou ao filho se ele não acreditava mais em Papai Noel. A resposta foi surpreendente.

- Faz tempo, mamãe. Eu já desconfiava faz uns dois anos, porque eu via você e o papai escondendo os presentes à noite. Se era o Papai Noel que trazia, por que vocês é que escondiam? Era ele que tinha que trazer... Além disso, não tem como entregar no mundo inteiro numa noite. E eu já tinha ficado acordado e nunca vi ele.

Milena quis saber do Coelho da Páscoa.

- Eu também sei que não existe, mamãe. Sempre via você correndo para esconder os ovos nas árvores.

- Jura?, perguntei.

- É claro, papai. A única que ainda tinha dúvida era a fada do dente, mas um dia desses a mamãe esbarrou numa caixinha e derrubou um monte de dente no chão. Só podia ser meu, né.

- Sim, João. A fada do dente também não existe - atestou a Milena.

Perguntei, então, porque, se ele sabia que não existiam, continuava agindo como se fosse tudo real.

- Acho as histórias tão bonitas. E eu adorrrrrro o Papai Noel - explicou, com o “r” afrancesado que é tão característico seu.

Antes que a noite acabasse, João quis ver a tal caixinha com todos os seus dentes, caprichosamente guardados pela mãe. Diante da caixinha, fez um apelo.

- A gente tem que falar com a Tia Ju para não deixar o Pedro falar para o Felipe que o Papai Noel não existe. Ele ainda é pequeno e tem que acreditar mais um tempo - alertou, referindo-se aos amigos-irmãos (o mais velho tem a idade dele e quer contar para o caçula, dois anos mais novo, sobre o mundão real) - É tão legal!

- O que é tão legal, meu filho? – perguntei.

- Acreditar nisso tudo. Queria que fosse verdade, disse o João.

Foi, meu filho. Durante nove – deliciosos – anos, foi tudo absoluta e deliciosamente real.

 

Corrêa Neves Júnior, publisher do Comércio e vereador.
email - junior@gcn.net.br

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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