Nem crianças escapam

A amarga lição veio depois que apresentei um projeto de lei que confere à ONG Academia de Artes o título de 'utilidade pública'.

08/12/2019 | Tempo de leitura: 3 min

“O ódio é uma tendência a aproveitar todas as ocasiões para prejudicar aos demais”
Plutarco, filósofo grego


Há mais de 25 anos trabalho duro no jornalismo diário. Neste quarto de século, e mais agudamente ao longo dos últimos três anos, desde que fui eleito vereador na cidade de Franca, vi ódio demais, contra gente demais. Em muitas ocasiões, eu mesmo, ou quem está perto de mim, nos tornamos alvos, recebendo os mais baixos tipos de ataques, falsas acusações, ofensas gratuitas e infâmias que se possa imaginar.

Quem odeia, simplesmente odeia. Independe de causa ou de provocação, e pode partir de quem você nem conhece. É cego, porque a quem o dissemina não interessa enxergar os fatos; é surdo, porque nenhuma explicação serve ou basta; é insaciável, porque se retroalimenta; e é cruel, porque não tem propósito a não ser a destruição. Ainda assim, imaginava que pudesse haver uma decência mínima. Estava enganado. O ódio não respeita limites. Quaisquer.

A amarga lição veio depois que apresentei um projeto de lei que confere à ONG Academia de Artes o título de “utilidade pública”. Outros tantos vereadores apresentaram e viram projetos semelhantes, que reconheciam o trabalho importantíssimo das entidades do terceiro setor, serem aprovados, sem críticas. Dezenas de entidades de Franca gozam do mesmo status, há anos, merecidamente. A Academia de Artes seria mais uma. O projeto foi aprovado por unanimidade.

Antes que a semana terminasse, páginas de Facebook ligadas a virtuais candidatos a vereador, extremistas radicais ou frustrados contumazes começaram a destilar ódio sem nenhuma base na realidade. Insinuaram que a ONG não existia. Que não prestava qualquer serviço. Que o projeto era ilegal. Claro, não checaram nada. Não abriram espaço para nenhum argumento.

A Academia de Artes existe há mais de 20 anos. Foi fundada pelo professor Luiz Cruz de Oliveira e um grupo de amigos no Recanto Elimar. Nasceu com o nome Veredas para levar educação e cultura às crianças de bairros periféricos. Desde então, tem sido assim.

Quinze anos atrás, Luiz Cruz, cansado, havia decidido transferir para outra pessoa a responsabilidade de gerir a ONG. Assumimos o desafio. Graças, especialmente, à dedicação de minha mãe, que além de dirigir e dar aulas, ainda banca boa parte das despesas do seu próprio bolso; de Ilda Xavier, a única funcionária remunerada, de alguns funcionários de nossas empresas, que doam uma pequena quantia mensal, e de dezenas de voluntários e apoiadores, a tarefa tem sido bem sucedida.A propósito: não ocupo na ONG qualquer cargo ou função.

Nestes quinze anos, a ONG mudou de nome e se transformou em Academia de Artes. Milhares de crianças foram atendidas em cursos que vão de judô a reforço escolar, de capoeira a música e balé, de inglês e informática. Tudo de graça. Tudo sem que, ao longo de todo este tempo, um único centavo saísse dos cofres públicos. A ONG atende hoje mais de 300 crianças. Dia 19, terá o almoço de Natal, oferecido pelo Buffet Empório. É assim. Com uma ajuda aqui, outro apoio acolá, o trabalho segue. Se isso tudo não for “utilidade pública”, que alguém apresente uma outra definição para o que seja. Duvido que consigam.

Além do mais, a lei aprovada na Câmara não garante que a ONG receberá nenhum centavo. Para conquistar alguma ajuda do poder público, se assim a ONG e seus dirigentes decidirem fazer, precisará participar de projetos junto ao governo municipal, estadual ou federal e obedecer a todas as exigências impostas pelo conjunto de leis do País. Inclusive, prestar contas publicamente.

Em tempos de epidemia de ódio virtual, seria interessante ver alguns desses haters dedicarem seu tempo e dinheiro para algum projeto voluntário. Mas trabalho, ainda mais abnegado, é tarefa que não os seduz. Preferem só odiar, apenas e tão somente.

O que posso garantir é que nada disso me abala, muito menos os voluntários que há anos se dedicam a ajudar, nem tampouco as crianças a quem devotamos tempo, energia – e dinheiro, do nosso bolso. Afinal, do outro lado do ódio despropositado, existem voluntários capazes de arregaçar as mangas e lutar, dia após dia, ano após ano, no silêncio das suas aulas. Ainda bem!

 

Corrêa Neves Júnior, publisher do Comércio e vereador.
email - junior@gcn.net.br
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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