Vilipêndios francanos

Nicola Maníglia Júnior, meu pai, era sujeito simples, alegre, boa praça, absolutamente sem vaidade, passaria em branco em qualquer ambiente

21/09/2019 | Tempo de leitura: 2 min

Nicola Maníglia Júnior, meu pai, era sujeito simples, alegre, boa praça, absolutamente sem vaidade, passaria em branco em qualquer ambiente não tivesse aqueles olhos azuis do tamanho do prato grande de macarronada. Houve o tempo da ciumeira de mamãe, que desapareceu tão logo ela descobriu quanto ele a amava, até morrer precocemente, aos 51 anos. Não me lembro de ter visto foto sua em jornais, fosse à guisa de homenagem por algum bem feito ou desempenho esportivo. Mereceria, com certeza: era caridoso, preocupado com as pessoas, amigo da Luzia - aquela cuja deficiência mental não lhe permitia distinguir a índole das pessoas e vivia grávida de abusadores. Morávamos perto do terminal rodoviário, no quarteirão da Melica, e ele amiúde a encontrava bêbada, chorando nas calçadas, abusada. Papai a levava para casa, pedia que a assessorássemos no banho, que lhe déssemos alguma roupa, fazia-lhe bife com ovo, arroz, feijão e salada de tomates. Ela ia embora, beijava-lhe as mãos. Certa vez papai chegou em casa com os olhos faiscando, de alegria: ele e Nelson Nogueira, que ele apelidara Coronel, colegas de Banco do Brasil, haviam comprado banco na praça, que perpetuaria seus nomes, esperavam. Contribuição singela: não eram políticos, não construíram pontes ou avenidas para batizar com nomes dos familiares, merecessem ou não. Tenho fotos deles sentados no banco; mais tarde dos meus filhos se espremendo para caber na cena; também netas e netos, que nem chegaram a conhecê-lo pessoalmente. Em todos esses flagrantes, fazia questão que aparecessem seu nome e o do Sr. Nelson.

Na quarta-feira desta semana, quebrando jejum de muitos anos, fui à Praça N. Sra. da Conceição à noitinha procurar pela “turma do chorinho”. Não sabia, a apresentação havia sido cancelada, mas decidi render homenagem a papai e sr. Nelson, mostrando para amiga que me acompanhava o banco com seus nomes. Não existe mais. Algum iluminado da prefeitura pegou tinta e apagou todos os nomes daqueles que, nos idos 60, pagaram pelos bancos com seus dinheiros.

Quis sapatear de ódio sobre o cadáver de quem apagou, de quem mandou apagar. Meu pai e o Sr. Nelson pagaram. Eles contribuíram do próprio bolso. Não sei se chamo o gesto do prefeito atual e de seus asseclas de ignorância; atrevimento; desrespeito; falta de educação; deselegância; incompetência, incapacidade, inaptidão, desconsideração, descaso, desdém ou desprezo. Ou tudo isso. Lembro-me de indignação semelhante quando o governo petista francano simplesmente retirou a placa com o nome de Américo Pizzo das antigas instalações da Francal. Vou continuar brigando. Ou voltam com os nomes dos legítimos proprietários, ou eu mesma compro tinta e reescrevo os nomes daqueles que foram vilipendiados. Alguém me ajuda?

 

Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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