Independência

Acordaria cedo, tomaria banho, escovaria os dentes, tomaria café reforçado. Minha mãe já estaria rodando em torno e apitando: anda depressa!

07/09/2019 | Tempo de leitura: 2 min

Acordaria cedo, tomaria banho, escovaria os dentes, tomaria café reforçado. Minha mãe já estaria rodando em torno e apitando: anda depressa! Não enrole! Cuidado com a blusa! Não deixe a manteiga escorrer! Põe a saia por último! Em seguida, os procedimentos femininos: pentear os cabelos, tornar a escovar os dentes. Sem batom, senão dona Helena estrila! Finalmente a saia sobre a anágua. Puxa bem blusa para dentro da saia, não a deixe ficar empapuçada! Não senta, senão amassa as pregas do uniforme! Olha o horário! Onde será a concentração dos alunos? Atrás do IETC? Na avenida? Anda! Há tempo, sim, mas convém sair a-go-ra! E saíamos de casa, os três, em direção aos pontos previamente marcados, procurando professores, guias treinados, a turma de colegas, que o desfile para o 7 de Setembro começaria em hora e meia, tempo suficiente para chegarmos, fazermos as formações anteriormente combinadas. Dali para frente era cada um por si, Deus para todos...

Cantávamos o Hino Nacional – de cor. Olhávamos as sibipirunas em verde e amarelo, escolhíamos uma, ficávamos sob elas até ouvir o apito que punha água na fervura. Quando a última nota ficava suspensa no ar, já estávamos em formação. Os que carregavam as Bandeiras – Nacional na frente, do Estado logo atrás, em seguida a de Franca e da escola – formavam o séquito de honra. Eram os mais altos da turma e os mais bonitos, claro. Na frente de tudo, a fanfarra. Cada escola tinha a sua. A do Champagnat era formada pelos moços mais bonitos; a do IETC, pelos mais inteligentes; as do Coleginho e do Colégio de Lourdes, pelas moças casadoiras, ricas e bonitas. Um dia, a do Pestalozzi começou a participar, mas desfilava distante das dos colégios católicos: absurdos da época. Dizia-se, não era permitido às delicadas garotas católicas se misturarem com os alunos da escola espírita que um dia, ironicamente, se tornou a melhor escola da cidade... Os alunos menores, vinham atrás, meio bagunçados na sua formação, mas as professoras acompanhantes, cuidavam de colocá-los na fila. Volta e meia esse ou aquele aluno, e isso de qualquer escola, desmaiava. Às vezes o sol era inclemente.

As escolas, em formação, desciam das imediações do IETC, em direção à Praça Nossa Senhora da Conceição, o centro da cidade. Pais, mães, avós, tios, padrinhos, namorados e namoradas, irmãos menores se aglomeravam, se atropelavam, o calor batendo, água só nos barzinhos – Barão, Pajé, Tubarão, Santa Maria, àquela altura, fechados... E ái se dona Helena ou o sêo Pedro pegasse alguém em formação, com a boca na garrafa que algum parente tivesse levado clandestinamente. Aquela era a hora da Pátria! Todo sacrifício por ela!

Os costumes mudaram. Os desfiles não existem mais. Os parcos batuques das escolas confundem o cidadão: ué, já é carnaval?... Os alunos não sabem exatamente o que significado de Independência. Dona Helena, Lúcia Gissi Ceraso e Sêo Pedro, partiram. Nem sei se ainda

 

Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br 
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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