Breguices

Há tempos, no meu tempo de breguice, quando achava importante sair de qualquer discussão feito pomba real,

24/08/2019 | Tempo de leitura: 2 min

Há tempos, no meu tempo de breguice, quando achava importante sair de qualquer discussão feito pomba real, de peito inchado e coberta de razão, discuti feio com querida amiga. Lembro-me ter sido sobre a autoria do texto “Se eu pudesse viver novamente”. Ela batia o pé de lá, garantia que Fulano o havia escrito. Eu batia o pé de cá, e afirmava que o autor era americano, cujo nome eu, infelizmente, não lembrava. O texto em questão ficou popular na época do Orkut. Nele, o autor lamentava que estivesse próximo da morte porque, se pudesse viver novamente, viveria sua vida de forma absolutamente diferente, realizando e repetindo proezas simples na sua rotina, aqueles pequenos prazeres que nos enchem a alma e dos quais nos descuidamos, ao valorizar coisas desimportantes e fugidias no cotidiano.

A experiência voltou-me à memória justo quando vi duas pessoas discutindo feio, uma batendo o pé de lá; outra batendo o pé de cá, impossibilitadas de parar a discussão porque ambas se achavam absolutamente certas dos seus argumentos. Foi como espelho trazendo cena do passado e eu protagonizando a discussão baseada no nefando hábito de achar que sempre estava com a razão. Fiz, então, balanço das atitudes que abandonei, como aquela baseada na arrogância de me achar o último biscoito do pacote em sabedoria. Fiz balanço das minhas breguices, muitas das quais deixei para trás. Percebi que outras permanecem, infelizmente. Vi quanto a arrogância era brega. Mentir e fingir felicidade, também. Virar o rosto para qualquer desafeto, simular não vê-lo e evitar cumprimentar era o Ó... Levar e trazer novidades alheias, cafonérrimo. Rir alto, para mostrar indiferença e felicidade, o máximo da caipirice. Quanto era ridículo divulgar insucessos alheios, a título de vingança. E mais: atacar o indefeso era suburbano, para não dizer irracional. Divulgar segredos que não me diziam respeito não era apenas cafonice, mas tosco, baixo e abjeto. E não haveria nada mais chinfrim que espalhar histórias que não eram minhas, por causa de inveja. Julgamentos são desperdício de energia. Pudesse viver novamente, continuaria a evitar a prática de qualquer dessas atitudes...

E mais. Se eu pudesse viver novamente, pararia o carro só para apreciar a fila de ipês amarelos ao longo das avenidas da cidade nessa época do ano. Interromperia minha correria, para olhar o cachorro correr estupidamente atrás do seu próprio rabo, se divertindo sozinho e daria boas risadas, ao perceber a semelhança com tantos humanos... Durante o Inverno e o Outono sentaria na escada de casa, só para apreciar o entardecer francano. E minha congéia. Se eu pudesse viver novamente, nunca mais brigaria com alguém que amei um dia. Decoraria mais poesias. Cantaria muito. Praticaria mais o hábito de agradecer pela vida e pelos amigos. E toda vez que pedisse perdão, seria de verdade.

 

Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br 
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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