Serpentes

Há muito tempo, Franca recebeu delegação de franceses que vinham com intenção de conhecer nosso parque industrial e prospectar negócios.

03/08/2019 | Tempo de leitura: 2 min

Há muito tempo, Franca recebeu delegação de franceses que vinham com intenção de conhecer nosso parque industrial e prospectar negócios. Diretores da Francal e Acif se juntaram para a recepção dos europeus. A memória ajuda a remontar a agenda dos empresários. Teve café da manhã com visitantes e anfitriões, tão logo chegaram de Ribeirão Preto, vindos de São Paulo de avião, que Franca não tinha aeroporto. Aliás, continua não tendo, quase bem uns quarenta anos depois. Em seguida, manhã livre, almoço no Clube de Campo, tarde livre, jantar de gala. Dois dias de divertimento para eles e experiência para nós, mulheres dos empresários, na convivência com estrangeiros. Fiquei encarregada de acompanhar algumas daquelas senhoras, as outras declinaram gentil convite, mas preferiam ficar no hotel, depois soube porquê...

Fui com elas à Praça central, queriam conhecer nosso pujante comércio, levei-as à Lâmina de Ouro, Livraria Martins, Farmácia Normal, Casas Pernambucanas, Jóia Magazine, Magazine Luiza. Passei com elas pelo Relógio do Sol, Praça do Hotel Francano que já estava caindo aos pedaços mas ainda então, símbolo da resistência contra a especulação imobiliária, permanecia forte e impávido colosso. Visitamos a Igreja Matriz. Ficaram encantadas com os ladrilhos hidráulicos da pavimentação, que mais tarde seriam arrancados e substituídos pelo que chamaram de “material nobre”; adoraram o formato interno e uma delas viu “leve e discreta semelhança com a majestosa Notre-Dame”, de Paris.

Lembrei-me de minha própria visita ao Cemitério Pére-Lachaise, em Paris, visita obrigatória para turistas amantes de artistas plásticos, de cinema, cantores, personagens históricas, escritores, cientistas, enterrados em túmulos maravilhosos. Até pensei em levá-las para conhecer nosso Cemitério Municipal que na época tinha verdadeira exposição de arte tumular, com expressivos e magníficos trabalhos em mármore de Carrara. Pensei, mas não fui. Lembrei-me das baratas que passeavam entre os túmulos; dos escorpiões que fizeram de lá seu mais predileto habitat e dos lagartos que sempre me horrorizaram. Então elas quiseram visitar minha casa, naquelas proximidades. Ao chegar, uma delas ficou branquinha, mais branquinha, aliás; transparente, espantada com a localização... Minha casa ficava no espaço espremido entre chácaras e terrenos desocupados, verdadeiro pedaço da Floresta Amazônica. “Cadê as serpentes?”, perguntaram, quando a voz lhes voltou. Aí entendi o motivo das outras terem preferido ficar no hotel: “o Brasil está assim de serpentes”, devem ter-lhes dito e olhe que o PT nem existia. Acalmei-as. Levei-as para tomar sorvete no Sêo Afonso...

Hoje lembrei-me das visitantes francesas. Contaram-me sobre a desocupação e venda de espaços do Cemitério da Saudade, destruição semelhante à que prefeito nazista fez anos atrás. Para piorar, vi fotos da Catedral de Franca pintada de azul, dos pobres Apóstolos expostos nas laterais externas, ridiculamente pintados de cores vibrantes com mantos verdes, vermelhos, amarelos. Lembrei-me delas, porque, caso voltem, irei apresentar-lhes as verdadeiras e letais serpentes brasileiras: aquelas que inventam arte e obrigam o cumprimento de suas (descabidas) ordens.

 

Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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