Londres

13/07/2019 | Tempo de leitura: 2 min

Sisuda, austera e circunspecta praticamente o ano todo, a imensa cidade surpreende. É como se ocultasse seu lado lúdico, leve e cômico reservando-o àqueles que, sem preconceitos, andam por suas ruas, olham seus monumentos e prédios, descobrem a beleza oculta atrás do disfarce de velha e rabujenta senhora que não se expõe facilmente e que está sempre surpreendendo, fugindo às regras.

Clichês mostram-na sempre oculta pelo fog e chuva e alertam sobre as diferenças de temperatura que ocorrem durante curto período. Pela manhã, a luminosidade que entra pelas janelas – quase sempre cobertas por cortinas de renda, sugere Sol lá fora. E é verdadeiro. Vai andando o dia, vão surgindo nuvens, o céu escurece, chove, esfria de se ver o ponteirinho do termômetro descendo. Nada impede que logo em seguida tudo se transforme e o calor volte com intensidade. O contrário, também é verdadeiro. Chuva fina, fria e insistente durante horas, de repente esquenta. Não adianta, ainda que seja mania nacional, ficar preso às previsões, antecipar acontecimentos. Londres é absolutamente imprevisível. E isso se reflete na personalidade do seu povo, ou de quem mora lá, mais exatamente.

Não é londrino quem apenas nasceu na cidade. É londrino Freud, austríaco, que morou ali, perscrutando o inconsciente das pessoas. É londrino Oscar Wilde, irlandês, que escreveu peças e livros que chocou sensibilidades e modificou a capacidade de aceitação das pessoas. São londrinos o poeta T.S. Eliot e Jane Austen. São londrinos Alexander McQueen e Mary Quant que influenciaram e revolucionaram a moda mundial. São londrinos os Beatles, que conseguiram fazer o calendário musical da humanidade ganhar nova divisão: antes deles, depois deles. São londrinos aqueles que se vestem com esmero, a fim de parecer desleixados: botas pesadas com saias de algodão; meias brancas com sapatos sociais; cabelos multicoloridos; piercings pendurados em lugares inusitados; quem usa xadrez, bolinha e estampas ao mesmo tempo. Ou tênis surrados com roupas brilhantes, purpurina e strass. Jack, o Estripador; Henrique VIII; Picasso. Prédios como National Gallery, Saint Paul’s Cathedral; Harrod’s. Greta Garbo e Lady Di. Cricket, futebol. É londrino quem diz Sorry, Excuse me, Please em tácito reconhecimento de sua existência e direitos, mas que, se você ficar nu, terá a impressão de que ficou invisível: ninguém olhará para você. Memorável: vi juiz sair de sua corte e, ainda de toga e peruca de cabelos brancos cacheados, sentar-se sob árvores no parque e tirar os sapatos.

Harmonia entre o passado e o presente. Elegância nas atitudes do cotidiano. Anonimato confortável e diplomático. Respeito e responsabilidade nas relações entre as pessoas. Autenticidade e generosidade. Sensualidade discreta, porém palpável. Sabedoria milenar, discreta nas suas manifestações. Coerência: ali somos todos iguais, apenas humanos - com todas as conotações desta condição. Quem vai a Londres e reconhece a sanidade que permeia a aparente loucura apresentada pelos estereótipos, nunca mais é o mesmo. Muda sua vida e a forma de ver seus semelhantes. Deita em qualquer parque e, aposto, sonha com mundo melhor.

(Setembro de 2001 – Revista WS)

 

Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br

  

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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