Férias

André, meu irmão, toda vez que começavam as férias, tomava providências para colocar o despertador perto de sua cama.

06/07/2019 | Tempo de leitura: 2 min

André, meu irmão, toda vez que começavam as férias, tomava providências para colocar o despertador perto de sua cama. Selecionava a opção de fazê-lo funcionar às 6h da manhã, o que coincidia com o canto do galo que ouvíamos vindo da chácara que confinava com o quintal de casa. No começo achamos que ele tinha ficado doido, mas depois ele explicara quão prazerosa era a sensação de desligar o despertador, virar-se para o canto e continuar a dormir. Aprendemos com ele e aproveitávamos sua expertise para fazermos o mesmo. Era maravilhoso!

A casa ficava num bairro popular, era simples, a maioria das ruas nem era calçada, mas tudo ali era mágico. O campinho de futebol cheio de buracos, com traves de lenha muito mal feitas, foi palco de gols memoráveis, que os jogadores mirins conseguiam fazer. Em volta do campinho, as mamoneiras e as viúvas regateiras, que produziam mamonas para as guerras entre as turmas das vizinhanças e as flores que gentilmente colhíamos para levar para as mães, sempre que nos atrasávamos. Uma ou outra jabuticabeira, várias bananeiras, compunham a paisagem e lá embaixo, pirambeira afora, o Córrego dos Bagres onde aprendemos todos a mergulhar para nos defendermos dos enxames de abelhas derrubados das árvores frutíferas. Mergulhar e nadar. Longe de técnicas complicadas que somente mais tarde o Geraldo, nos ensinaria nas piscinas do Clube dos Bagres, engolíamos lambaris, que a turma mais velha e experiente afirmava que eram tira e queda para nos deixar próximos de alguma medalha olímpica de natação. Acho que não dava muito certo, nossas mães ticavam tiriricas quando chegávamos ensopados em casa e nos ameaçavam com a maldita Benzectacil nos casos mais graves ou com a Anginobismuto com penicilina. Doídas, feito punhal entrando nos glúteos...

Corríamos dos cachorros, que atiçávamos atirando pedra. Caíamos de cara na terra nas brincadeiras de pegar. Quando o asfalto chegou naquela parte da cidade, aprendemos a construir carrinhos de rolemã. Nas ruas laterais, sem calçamento, jogávamos bola de gude. Ou faquinha. Ventava um pouquinho, construíamos pipas e papagaios. Que eram soltos e dançavam no céu, sem música e sem cerol. Meninos tinham caminhões, meninas tinham bonecas. Lá pelo finzinho da tarde o picolezeiro surgia no alto da rua, cornetando para avisar sua chegada. Corríamos para casa buscando as moedas guardadas nos cofrinhos e gavetas para comprá-los. Groselha, coco queimado, creme holandês eram os favoritos. E aí chegava a hora do banho. Duas etapas. A primeira, de remover lama, terra, manchas. Era dado lá fora, perto do tanque, com a borracha de molhar plantas e sabão de cinzas. E com bucha vegetal nova, cujas ramas ficavam nas cercas do fundo do quintal. O segundo, na banheira, com sabonete Lifebuoy, água quente, e bucha macia. Roupa limpa e chega de rua. Jantar, escovar os dentes e cama! Para estimular o sono, leitura: gibis quando eram férias, livros no período escolar. Ao comando “apagar as luzes!”, fechávamos os olhos. E sonhávamos.

 

Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br  
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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