Já!

29/06/2019 | Tempo de leitura: 3 min

Já passei muita vergonha na vida. Perdi anágua no salão de festas enquanto dançava. Vi as pessoas me acenando, até achei que causava sucesso, quando meus pés se embaraçaram em algo cheio de goma, que percebi serem as rendas tão caprichosamente passadas no ferro quente por mamãe. Dei um cachoalhão, solavanco com os quadris, a anágua acabou de cair, continuei dançando, pisei, passei por cima dela, salão cheio de gente, continuei dançando, com a maior cara de pau. Sobrevivi.

Já troquei os nomes das pessoas, enquanto falava com elas. Chamei Marias de Cidinha, Josés de Paulo, Terezinhas de Maria de Lourdes. Distraída, não percebi o constrangimento dos circundantes, que tentavam me ajudar repetindo à exaustão o nome certo dos interlocutores. Passei por mal educada, desinteressada, sem educação, avoada. Sobrevivi.

Já vivi situações nas quais fiquei roxa de vergonha. Nas salas de aula, quando conversava com os colegas, atrapalhava a aula e os professores me repreendiam. Quando d. Helena, professora de Educação Física gritou no microfone e todos os presentes no Palmeirinha puderam ouvir: “Lúcia Helena, quer fazer o favor de se comportar?”. Eu estava sambando, enquanto ela dava as últimas instruções às centenas de estudantes presentes no campo onde faríamos no dia seguinte a esperada “demonstração de ginástica” aos presentes. Sobrevivi.

Já me confundi e minha cara foi ao chão. Comecinho de namoro, no cinema, sessão das seis, sentada com o recém conquistado “pedaço de mau caminho”, que me expunha socialmente e elevava meu status de garota nota mil. Terminada a sessão, achei que o rapaz da fileira da frente fosse amigo de longa data, quase irmão. Debrucei-me, discretamente, e falei baixinho, ao pé do ouvido dele: “Namoradinha feia a de hoje, credo!” Não era meu amigo. Ele se levantou e gritou comigo, a ponto de todos os espectadores se virarem para me olhar. “E o que você tem com isso?”. Meu sangue foi para a cabeça, meus pés enregelaram, nenhum buraco se abriu, passei a não acreditar em santos que ajudam. Mas sobrevivi.

Já fui humilhada, já torceram o nariz para mim, como se eu exalasse mau cheiro. Durante a revolução de 64 fiquei proscrita dois anos e fui rejeitada socialmente. Já quis morrer, de arrependimento, porque fui sacana e mentirosa ou por atitudes que não devia ter tomado. Já perdi pessoas porque não fui leal com elas. Já menti e me dei mal. Já menti e me dei bem. Já fui generosa com muita gente, mas já fui mesquinha com muito mais pessoas. Já me comprometi e não cumpri. Já prometi e não dei. Já me arrependi de tanta coisa!

Passei horas fazendo tal balanço, enquanto acompanhava pela internet as atuações de Ricardo Lewandowski, Renan Calheiros e Gilmar Mendes, principalmente deste último, nesta semana, quando fizeram da Casa do Povo, a Casa da Mãe Joana. No entanto, cheguei às lágrimas e maior depressão quando me lembrei que já defendi Lula, já votei nele, já achei que seu governo seria a melhor coisa que já teria acontecido ao Brasil. Continuarei ajoelhada no milho, mas este pecado, não tem remissão!


Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br
 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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