Grosserias

06/04/2019 | Tempo de leitura: 2 min

Algumas memórias de viagem brotam do nada, estimuladas algumas por fatos semelhantes, por disparidades outras. O Canadá é o segundo maior país do mundo em área total, vai do Atlântico ao Pacífico, tem inverno rigoroso e afirmam que o único verde que se vê por lá quando a temperatura despenca é o pinheiro, daí ser considerada a árvore do Natal. Destacam-se cidades como Montreal, Toronto, Otawa, sempre citadas em filmes e na literatura. Na Primavera as flores ocupam a maior parte do território, mas no Inverno, a vida é subterrânea e, acredite, é possível ir de casa ao shopping, às escolas e até igrejas, pelo subsolo. Há vida sob a terra, não sei se são a apenas sete palmos. Deve ser mais...

Vai daí que fui a Toronto, visitei aqueles shoppings gigantesco e, ao descansar num jardim, absolutamente falso, mas absolutamente crível, vi pequena loja chamada Calèche, xará da francana. Entrei para conhecê-la. Duas senhoras vieram ao meu encontro, fizeram sala, perceberam meu sotaque. Iniciaram interrogatório sobre meu país, que naqueles tempos tinha governo militar. Primeiro elas se sentaram, me puxaram pela mão, eu parecia colegial sendo sabatinada... E começaram: “é verdade que vocês têm Sol o ano inteiro?”. “É verdade que há árvores frutíferas produzindo, mesmo fora da estação?”. É verdade que ocasionalmente cai chuva e faz sol ao mesmo tempo? “É verdade que vocês podem abrir as janelas quando acordam, independente da estação do ano? É verdade que seus jardins ficam sempre e não sazonalmente floridos?”. “É verdade que vocês não têm tufões, furacões, tempestades de neve?”. Elas perguntavam, e eu me dava conta do privilégio que era morar no “país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”. A cada “sim, é verdade”, seus olhos se esbugalhavam mais e mais. Não contra argumentei porque conhecia um pouco de história e sabia que a adversidade faz o homem mais criativo e inteligente: é dos norte-americanos, por exemplo, a criação do mocassim, tipo de calçado feito de couro de animais, que lhes permitia andar sobre a neve. Não refutei, por causa da história que Deus distribuiu calamidades – vulcões, terremotos, tsunamis, neve, furacões pelos cinco continentes e poupou o Brasil, lembra? Questionado, Deus teria respondido: “Você verá o povinho que porei lá como habitante.”

Lembrei-me hoje dessa passagem. Vários motivos. O motoqueiro que pensou que eu iria avançar na rua, o deveria fazer para ter visão pois que o carro estacionado à esquerda me impedia totalmente de ver o tráfego, levantou a mão, fechou-a, deixando o dedo médio em riste. Delicadeza pura. Dei sinal, parei para que a senhorinha atravessasse a rua na faixa, empurrando cadeira de rodas, a moça linda talvez atrasada para seu botox, buzinou atrás e gritou: “Vai andar, não?”- ela viu que eu parei para dar passagem. Nem falo mais de furar fila, comer com a boca aberta, jogar lixo nas ruas, invadir jardim alheio. Será que as canadenses souberam sobre Brumadinho? Foi o que me perguntei hoje.

Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

Fale com o GCN/Sampi! Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Receba as notícias mais relevantes de Franca e região direto no seu WhatsApp
Participe da Comunidade

COMENTÁRIOS

A responsabilidade pelos comentários é exclusiva dos respectivos autores. Por isso, os leitores e usuários desse canal encontram-se sujeitos às condições de uso do portal de internet do Portal SAMPI e se comprometem a respeitar o código de Conduta On-line do SAMPI.