Inveja

Conheci Maine durante uma viagem. Perguntou-me se eu conhecia a Suécia.

23/03/2019 | Tempo de leitura: 2 min

Conheci Maine durante uma viagem. Perguntou-me se eu conhecia a Suécia. Não, mas queria visitá-la, disse. No ano seguinte visitei a Suécia e nos encontramos em Estocolmo. Ao perceber meu entusiasmo com o passeio, perguntou minhas impressões. Reportei-lhe, especialmente um. Na praça principal havia visto tabuleiro enorme de xadrez desenhado no chão, cujas peças, obras de arte esculpidas em mármore, eram movimentadas manualmente pelos jogadores. Pela manhã, já havia contendores (e palpiteiros) em plena atividade; no final da tarde, as peças estavam novamente no lugar, posicionadas corretamente e não faltava nenhuma, disse-lhe! Ela não entendeu meu entusiasmo. Nem uma, como? Perguntou. Expliquei. Fosse no Brasil, duvido que alguma peça se mantivesse no tabuleiro no final da madrugada, pois certamente seriam surrupiadas quando o local estivesse sem vigilância. “Como, Lúcia? As peças são públicas ! Todos somos donos delas! Elas pertencem a todos nós.” Naquele dia, tomei conhecimento da abrangência, dimensão, cobertura, amplitude, alcance, domínio, extensão e sentido de Público. Público é igual a “pertencente a todos”. Não é igual a “de ninguém”.

A partir daquele momento de lucidez, entre outras notícias e fatos igualmente estarrecedores, reveladores de desrespeito como notícias sobre dinheiro público roubado, caixa dois, super faturamento de obras públicas, desvios, favorecimentos de empresas com dinheiro do BNDES passaram a me provocar náusea. Cada vez mais percebo o quanto somos, cidadãos brasileiros, agredidos em praticamente todas as situações do nosso cotidiano.

Nas filas onde somos passados para trás. Pelos motoqueiros que nos ultrapassam, surgidos do nada. Pelos motoristas que dificilmente param para o pedestre. Pelo troco que nos é devolvido errado. Pela compra superfaturada.

Em frente à minha casa, dois escritórios de empresas diferentes compartilham jardim aprazível, cuidado pelos proprietários. Mudam plantas, jogam água, aparam a grama. Pois não é que vizinhos levam os cachorros para se aliviarem ali? Flagrei uma cuidadora, perguntei-lhe onde estava a placa “Banheiro Público”, ela disse que sempre recolhe o cocô, mas naquele dia estava despreparada. Outro desconhecido deixa o carro à tarde na frente da guarita, recolhe-o na manhã seguinte. Tem mais: acende as luzes existentes. Questionado, afirmou “estar fazendo favor” para os proprietários. Diuturnamente encontro lixo espalhado pela guia da calçada. O de ontem: duas garrafas de cerveja vazias, pratos de isopor, saquinho de plástico, resto de comida. Durante a madrugada usaram a paisagem, a segurança proporcionada pelo guarda noturno, deixaram os restos para “alguém” levar. Noutras tardes, casais procuram o silêncio e a discrição da rua para seus encontros. Estacionam os carros, um dos dois desce, entra no outro carro que balança, balança, fica com os vidros suados. Em seguida vão embora. Caminho no Poli, volto com o tênis sujo de excremento de cachorro. Nas praças próximas há restos de móveis, de construção, sacos de lixo. Que inveja, Maine!

Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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