Boi com abóbora


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“A raiva e a intolerância são as inimigas gêmeas da compreensão correta”
Mahatma Gandhi, líder pacifista indiano

 

A semana que passou era para ter sido tranquila, muito tranquila, com seus míseros dois dias e meio úteis e a ressaca geral do Carnaval. Nada parecia ter potencial para provocar grande celeuma ou discussão. Pelo menos, até terça-feira, quando sabe-se lá movido por qual sentimento, a figura mais importante da República, o presidente recém-empossado Jair Bolsonaro, decidiu fazer um post no Twitter. E que post... Nada menos que um casal gay numa performance pornô-escatológica durante o cortejo de um bloco de Carnaval em São Paulo. O conteúdo, compartilhado pelo próprio presidente da República com seus mais de 3 milhões de seguidores no Twitter, foi capaz de chocar até os mais liberais. Na mesma medida gerou uma enxurrada de críticas de milhões de brasileiros.

Menos de 48 horas depois, na manhã de quinta-feira, o presidente da República conseguiu mais uma vez chocar parte considerável do pais. O palco de sua verborragia desconexa foi a cerimônia de aniversário dos Fuzileiros Navais, no Rio de Janeiro. No meio de seu breve discurso de quatro minutos, Bolsonaro sustentou que só existe democracia com a “permissão” das forças armadas. “E isso, democracia e liberdade, só existe quando a sua respectiva Forças Armadas assim o quer” (sic), disse o presidente. A fala de Bolsonaro repercutiu fortemente entre os ministros do Supremo Tribunal Federal, os guardiões da Constituição. Até mesmo generais, almirantes e brigadeiros tiveram dificuldades para esconder seu desconforto.

Entender a complexidade do raciocínio de Bolsonaro tem sido tarefa hercúlea. Mas, imagina-se que no caso do vídeo de sexo explícito, o presidente tenha querido dizer que Carnaval e devassidão são sinônimos e que os blocos de rua não são lugares para “gente decente”. Se foi isso mesmo, cometeu uma enorme injustiça. Há militares que não prestam, o que não implica dizer que as Forças Armadas sejam podres. Há padres e pastores pedófilos, o que não leva à conclusão de que é culpa das religiões. Milhões de brasileiros curtem o Carnaval – e compará-los aos personagens do vídeo, além de ridículo, soa ofensivo.

Quanto a sua exegese sobre forças armadas e democracia, só com a ajuda do vice-presidente Mourão e do general Augusto Heleno, que se apressaram em explicar que o Bolsonaro apenas “quis dizer” que os militares preservam e defendem a liberdade e a constituição, pode-se deduzir algo. Se quis dizer, não sei – mas sei que não disse isso. As falas desta semana do presidente da República são aquilo que os sambistas do Rio definiriam como “boi com abóbora” – uma coisa nada a ver, uma música ruim.

Melhor uso do seu tempo – e da nossa paciência – faria o presidente da República se trocasse o Twitter pelo desfile das escolas de samba do Rio. Especialmente, o da campeã Mangueira, que levou para a passarela do samba uma homenagem a heróis esquecidos ou pouco valorizados da história do Brasil, com destaque especial para a vereadora carioca Mariele, assassinada de forma brutal há um ano. “História pra ninar gente grande”, chama-se o enredo. Com sorte, pode servir para educar, pelo menos um pouquinho, gente ignorante também.


Corrêa Neves Júnior, publisher do Comércio e vereador.email - jrneves@comerciodafranca.com.br

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