Eu, mulheres

Nasci em berço esplêndido, não de ouro, de lenho resistente. Cuidada por mulheres fortes, tomei coquetel de leite de ursa e leoa a infância inteira.

09/03/2019 | Tempo de leitura: 2 min

Nasci em berço esplêndido, não de ouro, de lenho resistente. Cuidada por mulheres fortes, tomei coquetel de leite de ursa e leoa a infância inteira. Não raro senti-me dentro de clã comandado, dirigido, orientado por elas, que nunca disputaram com os homens de suas respectivas famílias, o poder que clara, explícita, tácita e naturalmente era delas.

Ancestrais diferentes. A avó paterna, Lila, doce, meiga, miúda, franzina, fazia sombra imensa sob o Sol do clã e abrigava nove filhos, que comandou delicada e firmemente. Os filhos, homens na maioria, discutiam, alteravam, altercavam, vovó chegava e seu olhar azul parecia laser passando e congelando os ânimos italianos. Às vezes usava o recurso do desmaio. Que também funcionava. A avó materna, Rita, alegre, bonachona, embora tivesse história triste de início de vida – ficou órfã de mãe ao nascer e foi criada pela irmã mais velha, superou a ausência e foi feliz. Foi adorada pelos irmãos mais velhos e por todos os outros que vieram do segundo casamento do pai. Olho para elas nas fotos e percebo que descendo de amazonas, de mulheres guerreiras, corajosas e aguerridas segundo as histórias e a mitologia familiar. Se neguei a raça, não foi por falta de exemplos.

Minha mãe foi a mulher mais importante da minha vida e sua participação na minha formação, segue o padrão da época. De início era tudo. Meu porto seguro, meu norte, minha confidente, minha incentivadora, minha alcagüete quando seu controle falhava e ela recorria a meu pai para me conter. Depois, minha irmã, que se confundia comigo, senão na aparência, olhava para mim e sentia confiança, apoio, segurança. Mais tarde vieram filha e quatro netas. Das fotos familiares históricas que guardo e procuro quando me sinto fraca, destaco: aquela onde estão mamãe, vovó e eu; depois nós três e minha filha; a outra onde estamos nós, tudo junto e misturado. E meu peito se enche de orgulho.

Fui criada segundo códigos e preceitos da nossa particular filosofia familiar feminina. 1. Você não é melhor nem pior que ninguém. Você é única. 2. Descubra e cumpra seu exclusivo papel na vida. 3. Jamais culpe alguém por suas derrocadas. Você é livre: tenha discernimento e use seu poder de escolha. 4. Confie em seu sangue. Desconfie de quem o ignora. 5. Não negue, oculte ou fantasie seu passado. 6. Ser feliz é deitar e dormir, rir muito, ter amigos, conhecer lugares e pessoas. 7. Saiba dizer não. Não provoque. 8. Trabalhe. Seja independente. 9. Tenha ideais. 10. Ajude o próximo, jamais o ignore.

Fraquejo, perco o rumo. Procuro ajuda, sem o menor constrangimento. Choro. De raiva, saudade, alegria, prazer. Vivo emocionada. Tenho medo do futuro. Explodo por pouco. Não quero morrer. Olho no espelho, me vejo imperfeita por dentro e por fora. Mas a certeza de ser mulher e ter buscado integridade e independência espiritual a vida toda me dá força para seguir adiante.

 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br 
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