Tragédias

Calei-me, estupefata, sobre a tragédia de Brumadinho. Fiquei chocada, derramei lágrimas, execrei políticos responsáveis pela catástrofe, voaria no pescoço dos empresários envolvidos.

16/02/2019 | Tempo de leitura: 2 min

Calei-me, estupefata, sobre a tragédia de Brumadinho. Fiquei chocada, derramei lágrimas, execrei políticos responsáveis pela catástrofe, voaria no pescoço dos empresários envolvidos. Compartilhei a expressão atônita dos sobreviventes durante dias, ao acompanhar o noticiário. Imaginei o horror de bombeiros e voluntários ao encontrar corpos sem vida e isso me tirou o sono. Ainda sinto, e vou sentir profunda dor no peito pelas pessoas que perderam casas, objetos, segredos, lembranças. Vou-me perguntar por bom tempo “como é recomeçar sem um ponto de partida, rumo a nada?” Como será “ir em frente” sem referências materiais, sem passado, sem uma carta, uma foto, um objeto que nos lembre ancestralidades e pessoas queridas que ainda ontem estavam perto, conversando, rindo, vivas e saudáveis e que desapareceram em segundos? Como processarão tal experiência, para a qual ninguém foi preparado?

Infelizmente, passada a comoção, os políticos voltarão às pautas urgentes; as pessoas retornarão às rotinas; os empresários jurarão em várias reportagens que doravante tomarão mais cuidado com suas prospecções financeiras; as pessoas se benzerão ao ouvirem referências sobre o trágico acontecimento. Governos estrangeiros continuarão a roubar minérios do Brasil sob nossas barbas, com complacência dos poderosos; o nióbio vai continuar sendo extraído e vendido como sucata lá fora; jornais estrangeiros continuarão na ignorância quanto ao uso de nossas florestas e minas. Nossos índios que pouco falam português, mas respondem a bala e na língua inglesa provocações nas fronteiras vindas de exploradores de maus caracteres, ainda trocarão terras e pedras preciosas por bolinha de gude.

O terrível desastre de Brumadinho teria despertado, há quem acredite na possibilidade, o espírito de coletividade no adormecido peito brasileiro. Somos, sim solidários nas grandes tragédias, mas enquanto elas ressoam. Boechat e Bibi Ferreira morreram esta semana. Lamentaremos ambas as perdas, homenagearemos suas lembranças, agradeceremos a todo instante o que fizeram pela raça e cultura brasileira. Acharemos os culpados que serão punidos pela má manutenção do helicóptero. Lentamente, insidiosamente, chegará o esquecimento. O contorno de seus rostos se esmaecerá. A vida continuará, enquanto a dor se acomodará nos cantos dos corações. Cada família chorará sua perda. E a atenção coletiva se voltará para outro acontecimento.

Torres Gêmeas, bomba de Hiroshima, incêndios – o do paulistano Joelma (500 pessoas), do Gran Circo em Niterói (880, das quais 70% crianças), o da Vila Socó (o maior incêndio ocorrido no Brasil), a tragédia da Boite Kiss (quase 1000 jovens) tristemente contabilizam milhares entre mortos, feridos, desaparecidos e mutilados. O imponderável permeia e ronda a vida humana. O problema é que nossa memória é curta e a dos responsáveis, absolutamente volátil.

Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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