Estagiário

09/02/2019 | Tempo de leitura: 2 min

Há muito tempo, nas agências de publicidade onde trabalhei, o passatempo predileto dos decanos era atormentar os novatos que faziam estágios para adquirir experiência na profissão. Vinham crus e, ao sair, levavam além da experiência, prática, vivência. E lembranças. Os mais receptivos aceitavam bem apelidos e brincadeiras. Outros, caso estressassem, aprendiam logo que se desejavam o traquejo na profissão, tinham que aceitar aquela espécie de trote. Vividas algumas situações, adquiriam malícia e não se incomodavam mais com o aposto do nome. Passavam, isso sim, a atormentar, talvez por puro sadismo, quem vinha cru para aprender as manhas da profissão. Eram sempre chamados pelo nome próprio, acrescido do adjetivo que identificava sua atividade. Tivemos Rodrigo, o Estagiário; Lucas, o Estagiário; Marisa, a Estagiária. Memoráveis.

A pegadinha da retícula, por exemplo. Praticamente todos os estagiários que conheci, caíram nela. Não fazia parte das minhas atribuições utilizar retículas, eu apenas escrevia, mas quando precisava de colaborar na criação de alguma peça publicitária, usava a rede de pontos dos programas do próprio computador, a interpunha entre a imagem real e a reproduzida no vídeo para dos colegas profissionais que trabalhavam com imagens, após o sinal convencional para “Sacanagem, já!”, chamavam o Estagiário e pediam que se dirigisse à sala da diretoria, ou à sala onde estava o experiente estafe feminino. Davam-lhe um potinho e pediam que fosse buscar alguns gramas de retícula 80%. Ah! Que informassem as cores disponíveis, também, por favor. Ah! E que trouxesse o potinho com muito cuidado que a retícula era volátil e que era preciso cobri-la bem. A resposta dos sacanas era invariavelmente a mesma: essa acabou, pergunta se serve a 60%. Não, não servia, mas pergunta lá se ainda tem a de 40%. Resposta: “Não, só sobrou a 10%, pode mandar?”. Adivinha? Ele ia, voltava e ia outra vez: “Não tem mais, acabou também.” “Ok, fim de expediente, amanhã a gente conversa”... Geralmente a brincadeira durava dias ou até o Estagiário perceber que havia caído numa cilada. Terminava com cerveja, risadas e o passo seguinte era esperar a próxima vítima.

A palavra estagiário sumiu por um bom tempo da minha rotina. De repente, ei-la numa rede social identificando profissional especialista em montagem gráfica, perspicácia, bom humor e inteligência. Talvez tenha surgido antes, mas eu o descobri por ocasião do casamento do príncipe Harry e Meghan Markle, em cujas fotos ele inseriu figuras superconhecidas na cidade. Trabalho de mestre e sacada genial. Entre os mais recentes trabalhos, destaco as séries “Vai lá”, “Revista Crédito” e “Especial de Natal”. O Estagiário da Franca, profissional que acompanho no Instagran, há muito passou da fase de buscar retícula. Deve ser o chefe da equipe de criação. É genial e merece aplausos. Não conheço sua identidade, mas não acredito que estivesse entre aqueles que um dia foram buscar retícula na agência onde teria começado.


Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br  

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