Divagando

Tome os anos oitenta do século passado junte-os com os primeiros vinte anos deste século. Não parecem formar enorme bloco,

29/06/2018 | Tempo de leitura: 2 min

Tome os anos oitenta do século passado junte-os com os primeiros vinte anos deste século. Não parecem formar enorme bloco, feito bolha, que os separa dos anos anteriores e, com certeza os separarão dos posteriores? Não parece que em quarenta anos mudaram usos e costumes, maneiras e posturas, homens e mulheres? Mesmo sem poder sequer imaginar o que virá depois do 2020, não parece que as características destas específicas quatro décadas são em tudo peculiares? Sobrevivente do século passado, tenho a nítida sensação de que o tempo caminha em ritmo acelerado; que sou incapaz de acompanhar a evolução, tecnológica principalmente; que a linguagem que utilizo não está formatada por palavras que mantiveram seu sentido com a passagem do século. E que deverei passar por profunda atualização para que as pessoas, mais velhas e mais novas que me rodeiam, entendam o sentido do que falo, escrevo, até do que penso, e minhas atitudes sejam — bem — compreendidas. 
 
Sou parte da geração que se sente jurássica diante das subsequentes e, embora eu e meus coetâneos tenhamos sido agentes e protagonistas das mudanças sociais operadas nestas décadas, volta e meia elas nos assustam, quase assombram. Exemplo? Os pais da geração do meu pai não trocaram fraldas dos filhos, nunca lhes deram mamadeiras, é bem possível que jamais tenham lhes dado banho, principalmente se pais de meninas. Os pais dos anos oitenta participaram, embora em alguns casos bem discretamente, do processo de limpeza, alimentação e cuidado com as crianças. Os pais das novas gerações são apropriadamente chamados de “pães”, neologismo que junta, junto com as palavras, significado e tarefas de pai e mãe... Só não pariram, mas se estão com as crias, desvelam, acompanham, cuidam, alimentam, higienizam. Não raro, em certos casos, nestes quesitos, são até mais presentes e hábeis que as próprias mães. Doces tempos. 
 
Eu, mulher, é que ainda não me encontrei nestes anos do novo século, dos novos tempos. Não sei das outras e, atrevidamente, me declaro sem medo mas com profunda irritação por posturas fabricadas e palavras de ordem do tipo “Mexeu com uma, mexeu comigo”, “Todo empoderamento às mulheres”. Eu e minha irmã fomos vítimas de assédio quando crianças, tivemos medo de contar a nossos pais, porque os bandidos - pai e filho – eram poderosos e frequentavam nossa casa, mas a força e coragem que tivemos para nos livrar deles ainda estão dentro de nós e, certamente, foram ensinadas por nossos pais. Empoderamento é neologismo. Na minha opinião, criado para substituir termos e atitudes como bons exemplos, coragem, atrevimento, tenacidade, resistência, persistência, força e objetividade que costumávamos aprender de pais e mães. E eu, cidadã, estou na pior. Em quarenta anos vi meu país desmoronar, figuras como ministros do Supremo Tribunal Federal enquadradas em molduras de quinta categoria. Sou do tempo em que suas imagens, em
bora quase desconhecidas, poderiam ser postas no oratório junto com as dos santos justos, corajosos, tenazes, impolutos e honestos. Às vezes penso em como seria bom recomeçar. 
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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