Lugares

Sonhamos a viagem, trabalhamos para rechear o pé de meia. Enquanto isso planejamos o roteiro, estudamos as possibilidades que vão desde as determinações da meteorologia,

15/06/2018 | Tempo de leitura: 3 min

Sonhamos a viagem, trabalhamos para rechear o pé de meia. Enquanto isso planejamos o roteiro, estudamos as possibilidades que vão desde as determinações da meteorologia, passam pela competentização cultural e terminam na cópia do mapa descoberto na Internet e impresso no papel brilhante, que fica cheio de anotações, rabiscos e sugestões de estradas, paradas, hotéis, restaurantes. Escolhemos os companheiros de viagem, convidamos, discutimos pendências. Fazemos as listas — de roupas, do conteúdo da mala de mão, de remédios.

Rotina de qualquer viagem, procedimentos que valem, salvaguardadas as devidas proporções, para qualquer local distante trinta metros, duzentos, dois mil, vinte mil quilômetros de casa; para ir ao outro lado da cidade, ou para uma volta ao mundo. As malas voltam talvez um pouco mais pesadas que saíram de casa, mas o viajante, esse deve voltar pesando o dobro, o triplo, o quádruplo, senão na balança, no coração e nas lembranças. Se não, não terá valido a pena.

Quando o viajante sai, é claro, ele planeja ir a lugares. É delicioso quando, às vezes até muito tempo depois da experiência, ele se aquieta num canto, se ensimesma, só para se dar ao luxo de lembrar dos lugares por onde passou. Na verdade, torna a viajar, mesmo que apenas intelectualmente, com olhos e mente capacitados para fazer comparações. Prazer multiplicado, quando tem a oportunidade de voltar fisicamente a lugares que conheceu, quando tinha outro olhar ou vivia outra fase de maturidade. Na verdade, encantamento e privilégio de qualquer viajante é poder retornar de alguma forma. Mental ou fisicamente, a algum lugar que o impressionou, que o marcou, que não entendeu muito bem o que era ou do qual gostou muito.

Meus lugares no mundo? O mais emocionante, o deserto de Atacama. Fecho os olhos e as imagens secas e indecifráveis de tudo que num primeiro instante me pareceu desolador, voltam junto com a impressão do vento e areia que batiam no meu rosto. E entendo que a delicadeza humana tem manifestações que surpreendem. Naquele deserto, quando a respiração me falhou porque jamais havia ido àquela altitude e tão baixa umidade do ar, houve quem percebesse minha indisposição e imediatamente me levasse para nível de altitude satisfatório e confortável. Não fosse a prontidão, teria desmaiado e desfalecido feito donzela. Não sou tão forte quanto pretendo ser.

O mais desolador? Dubai. A ostentação, a prepotência do rico sobre o miserável, a inferioridade feminina explícita nos grupos formados por um homem e várias mulheres, na submissão delas diante do visível poder deles, me fez sentir desconfortável. O lugar mais tocante? Três. A Basílica de Guadalupe, no México; a Igreja da Medalha Milagrosa em Paris, e o Vale da Babilônia na Serra da Canastra, depois da chuva. O melhor lugar do mundo? Minha casa. O mais bonito? Meu escritório, cheio de lembranças que escorrem pelas paredes. O mais confortável, mais acolhedor, mais marcante? Meu jardim. O lugar que considero mais perigoso? Em pé, diante do espelho, procurando meus olhos para olhar diretamente no fundo deles. Maior e mais proveitosa viagem não há. Nem mais difícil de empreender.
 

Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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