Irritação

Questão recorrente, incômoda e irritante. Dia e noite martelam-me internamente algumas perguntas. A pior, por que fico tão irritada

30/03/2018 | Tempo de leitura: 3 min

Questão recorrente, incômoda e irritante. Dia e noite martelam-me internamente algumas perguntas. A pior, por que fico tão irritada e arrepiada quando ouço a expressão empoderamento feminino? 
 
Vivi e vivo rodeada por mulheres poderosas e sou cria de guerreira que, postada à frente do marido, desafiou-o a estudar, melhorar de vida, como se dizia, para garantir o futuro dos filhos, ou ela o faria. Eu a vi viajar sozinha, ter suas próprias opiniões. Artesã culinária, deu cursos, fez bolos e doces para metade da cidade e região, até para clientes em São Paulo, que na época era do outro lado do Planeta. Quem a empoderou? Pergunto-me, depois que palavra e sentido se popularizaram e apareceram cursos e recursos para atingi-los. Atualmente há milhares de mulheres com dupla, tripla, quádrupla jornada de trabalho. Além das atividades profissionais, tomam conta de filhos, atendem casa, funcionários, viagens, representações sociais, para não falar de maridos. Quem as empoderou? Convivi com milhares de mulheres que definharam, murcharam, perderam a identidade, quando tinham pela frente carreira brilhante, perspectivas alvissareiras, possibilidade e capacidade para tomarem as rédeas dos seus destinos. Essas mesm
as, durante anos, me perguntaram por que eu trabalhava: “Você não precisa”, diziam. Via de regra respondia que eu, materialmente, talvez não, mas que marido e filhos me incentivavam porque não me tolerariam uma semana, com cabeça e mãos livres. Melhor ter alguma atividade para gastar minha energia. Nem falei do prazer de realizar, conquistar, fazer, alcançar. Jamais entenderiam. Quem me empoderou? 
 
Quem empoderou Patrícia, Sônia Menezes Pizzo, 80 anos, que tem coluna diária no jornal, produz e grava programas de rádio e televisão, viaja, realiza festas, assiste à família, encara e supera dores físicas e lágrimas internas? Qual o segredo de tanta vitalidade, coragem, ousadia? Quem a empoderou? Quem empoderou Lúcia Ceraso, Yolanda Ribeiro, professoras; Ritas Fontes e Moscardini, médicas; Silvinha Cunha, Ana Capanema, Mariana, empresárias; Paula, Marlene, Dalva, minhas assistentes; quem empoderou Flávia, Rejane, Josi, Carla, secretárias? Que curso fizeram para levantar cedo, organizar suas casas e agendas dos filhos, conciliar suas vidas, dificuldades e decisões profissionais, supermercado, lojas de verduras e frutas, chatice de clientes e patrões? Empoderamento é centelha interna atávica. É jogo de cintura, é resultado de tenacidade, coragem para tomar decisões, é o próprio poder de decisão. É capacidade de olhar à volta, querer mudar o que não agrada. É a possibilidade de olhar longe, vislumbrar o futuro e decidir quais atitudes tomar para mudá-lo ou apressá-lo. Não se ensina, nem se promove. 
 
Na escola de elite onde trabalhava, sugeri horário semanal no qual os alunos — garotas e garotos — aprenderiam a executar funções domésticas. Arrumar cama, fazer café, fritar ovo, montar sanduiche, pregar botões, fazer barra de calça ou saia, lavar e passar camisa ou camiseta, pôr e tirar mesa de refeição, varrer chão, faxinar. Se a reação dos pais foi ruim, a das mães foi pior, principalmente com relação aos meninos. Incentivar feminismo é fácil. Quero ver é arrancar o machismo das nossas entranhas, quando são as mães, empoderadas ou não, as responsáveis por sua promoção e instalação.
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br

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