Nós

Nasci primeiro, reinei absoluta na família por tempo curto, nem deu para desfrutar tanto assim. Juntou-se a mim alguém semelhante

09/03/2018 | Tempo de leitura: 2 min

Nasci primeiro, reinei absoluta na família por tempo curto, nem deu para desfrutar tanto assim. Juntou-se a mim alguém semelhante praticamente em tudo, até no nome. Diferenças naturais: uma a explosão, outra, a doçura. Atrevimento numa, noutra, a meiguice. Crescemos juntas, desenvolvemos parceria para a eternidade. Tivemos em outra mulher, nossa matriz, a fonte de inspiração que nos daria parâmetros pela vida afora. Modelo e tanto. Foi difícil acompanhá-la. Esforçamo-nos, mas ficamos longe do modelo ideal de mulher, que foi nossa mãe. 
 
É dela a cartilha com o beabá do feminismo que recebemos. Mulher não deve depender de homem nem emocional, nem materialmente. Mulher pode fazer serviço de homem — consertar aparelhos domésticos, tirar móveis de lugar, rachar lenha, inclusive. Mulher deve estabelecer seus limites. Se não quer ser ferida, que não se coloque em situação de risco. Mulher é muito mais perspicaz que homem e explicava que, se ele se deixa enganar pela aparência, mulher consegue enxergar o “avesso do avesso” — palavras dela! Caetano diria o mesmo, anos mais tarde. Tivemos dois irmãos, homens, que ouviram que eram diferentes de nós, que deveriam obedecer limites para conviverem conosco — não entrar no nosso quarto sem bater à porta antes, respeitar nossa intimidade, zelar pela nossa integridade física, defender-nos e que vissem nas mulheres seres que mereciam cuidado, zelo e respeito tal qual dedicavam às irmãs. Cartilha de convivência social, comum naqueles idos do meio do século passado. Fomos agredidas e quase abusadas por pessoas 
de nossa convivência. Saímos assustadas da situação e, ilesas, aprendemos a lição: não dar oportunidade ao inesperado, tomar cuidado, reconhecer olhares de concupiscência, não provocá-los. Diriam feministas, cartilha machista. Para nós, cartilha de sobrevivência, reconhecimento do nosso poder e dos nossos limites. A maioria das contemporâneas desconhece essa cartilha porém, com algumas modificações não estruturais, mas de contornos, foi a mesma que ofereci para minha filha e, de certa forma, divulguei para amigas e leitoras. 
 
Fico assustada hoje, ao perceber que muitas mulheres suportam agressões físicas e verbais com alguma resignação porque as perdoam; porque acham para tais ataques desculpas e justificativas; porque acreditam que de alguma forma provocaram a ira masculina. E que, se de um lado os homens são estúpidos, grosseiros, indelicados, descorteses, de outro, quando a ira cessa, transformam-se pródigos, amorosos e até refinados. E, a cereja, “não deixam faltar nada em casa”. Não entendo alguns direitos ditos da mulher moderna de, por exemplo, ficar quase nua dentro da pouca roupa e sair à rua; exibir-se ao natural através de imagens na internet. Defendo que lute e tenha seu valor reconhecido por seu trabalho. Que tenha livre ingresso em todas as áreas da atividade humana. Que vá e volte, aonde quer que deseje. Que seja livre para pensar. Que não seja cobrada por ignorar alguns padrões ditos morais. Que divida com quem coabite as tarefas domésticas. E que jamais esqueça que, mesmo num mínimo espaço, ser Mulher é sempre o máximo.
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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