Credo!

Quando alguém da geração da minha filha ou das netas pergunta sobre a educação sexual que receberam a minha geração, a de minha mãe

02/03/2018 | Tempo de leitura: 2 min

Quando alguém da geração da minha filha ou das netas pergunta sobre a educação sexual que receberam a minha geração, a de minha mãe ou a de vovó, as reações vão da absoluta incredulidade ao estarrecimento. Há coisas engraçadas, mas estarrecedoras, também. Éramos obrigadas a guardar virgindade, que condição para pretendentes de boas famílias se aproximarem. Éramos incentivadas a tolerar e ignorar o mau gênio e o péssimo comportamento de rapazes de excelente aparência, vindos de famílias de sobrenome importante, ditas dignas e honradas. Sobre sexo, impossível precisar o número de mulheres daquelas priscas eras que chegaram à maioridade ou ao casamento, com algum conhecimento sobre o mistério do que aconteceria na primeira noite de casadas. Quando conto que muitas mães e pais de famílias obrigavam os recém-casados a passar a primeira noite de lua de mel em casa, e aguardavam a exibição da mancha de sangue no lençol resultante do rompimento do hímen da moça, atestado de sua virgindade e da potência do rapaz, elas acham que é mais uma invenção minha. Coisa de literatura. Quando acrescento que a prova evoluiu e, mais tarde, apenas o noivo a cobrava, elas rolam de rir, e ainda acham que isso é resultado de alguma elucubração. Era assim, afirmo. Pior. Na época homem matar mulher por amor era legítimo, assim como assassiná-la, em nome da defesa da honra. Credo! Várias obras de literatura e cinema descrevem o período, que coincide com o pós Segunda Guerra, anos 50, no qual as mulheres se calavam e escondiam traços de maus tratos e violência doméstica fosse através do uso de mentiras — caí na escada, bati com o rosto na porta; fosse com a prática da esperança — um dia ele mudará ao perceber meu valor; fosse com o emprego da estranha justificativa e compreensão da intemperança masculina com argumentos tipo ele é violento, mas não deixa faltar nada em casa. Subversivas eram aquelas que não viviam segundo os preceitos tradicionais e se rebelavam. Credo! 
 
Parte dessa filosofia está condensada no filme O sorriso de Monalisa, de 2003, com enredo que reproduz diálogos comuns em 1953, nos Estados Unidos. Os professores apresentam frases que todas ouvimos: “contraceptivos encorajam promiscuidade”. Mãe para filha, na festa de casamento: “dagora em diante sua única responsabilidade será cuidar do seu marido e filhos”. Dá para imaginar como era por aqui? Outro credo! 
 
As moças brasileiras de antigamente, estou no mix das gerações passadas, eram educadas para seguir aqueles e outros estranhos preceitos. Enfeitadas fisicamente pelas mães, às vezes viravam bonecas postas em exposição e exibição, prontas para serem escolhidas pelos consumidores. Eram incentivadas a sorrir, mesmo diante de grotescas manifestações dos rapazes. Não precisavam fazer, mas era preciso saber sobre cozinha, prendas e economia doméstica que, aliás, era o nome de matéria que fazia parte do currículo escolar feminino. Feminilidade plena na época: bom casamento, cozinhar para o marido, ter filhos e reproduzir para eles, os itens da cartilha decorada. Mais um credo!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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