Marchinhas

Mesmo politicamente incorretos, meus carnavais passados deixaram marcas. Os da infância, porque a habilidosa mãe me fantasiava

16/02/2018 | Tempo de leitura: 2 min

Mesmo politicamente incorretos, meus carnavais passados deixaram marcas. Os da infância, porque a habilidosa mãe me fantasiava e tirava fotografias guardadas com cuidado. Ao vê-las, tanto tempo depois, meus olhos se enchem de água, de muita saudade. Espanhola, mulher do pirata, odalisca, índia, havaiana, cigana, repeti os modelos em outros períodos da vida. Agora, dos netos. Nunca desprezei samba-enredo e reconheço que a música apresentada por trios-elétricos podem empolgar a multidão, mas as marchinhas ainda polarizam atenção por vários motivos, creio. Pela alegria que provocam, pela forma de abordar diferenças, pela oportunidade de fazer crítica — inclusive política, pela sagacidade de algumas letras, pelo duplo sentido em muitas delas, o que permitiu dribles fantásticos nas vezes em que a censura política comeu solto e havia assuntos proibidos de serem abordados, mesmo nas músicas de carnaval. E pela emoção que algumas despertam: quem não respira fundo quando ouve Bandeira Branca, ou Máscara Negra? 
 
Ainda existem bailes de carnaval em salões, embora manifestações nas ruas estejam em alta com blocos e cordões, embalados pela trilha sonora das marchas antigas — com restrições politicamente corretas estabelecidas, e por outras melodias cujos títulos vão de Ta Tum Tum, Vai malandra, Agora vai sentar! e por outras ainda que exaltam a chamada preferência nacional: Tá sobrando popô; Joga bunda, Psiquiatra do bumbum; Bumbum de ouro; Bumbum carente; Popa da bunda; Bumbum do mal. Confesso, não me atrevi a procurar a letra de nenhuma delas, embora possa imaginar a coreografia. Prefiro Despacito. Movimentos, passos e significado. 
 
Mas volto às marchinhas. Muito mais que letras hoje consideradas polêmicas, elas possuem histórias fascinantes. Ô abre alas (que eu quero passar) é de 1899 e foi composta pela grande Chiquinha Gonzaga. Mamãe eu quero mamar só foi sucesso quando gravada por Carmen Miranda. Aurora (se você fosse sincera), é de 1941 e composta por Mário Lago — advogado, poeta, radialista, compositor e ator brasileiro. Turma do funil (chegou a turma do funil) mereceu atenção até de Tom Jobim. Me dá um dinheiro aí? (Ei, você aí!), foi inspirada por foto do presidente Juscelino Kubitscheck com a mão estendida para secretário de estado norte-americano, durante encontro sobre o petróleo brasileiro. Olha a cabeleira do Zezé (será que ele é?) era homenagem de João Roberto Kelly a garçom cabeludo. O teu cabelo não nega (porque és mulata na cor), hoje considerada racista e polêmica, é plágio de música nordestina. Essas — e tantas outras marchinhas consideradas politicamente incorretas — eram alegres, engraçadas, possuíam duplo sentido — 
mas definitivamente não foram criadas para serem agressivas. O que agride e afronta o cidadão é ter 81 senadores e 513 deputados federais que recebem salários, subsídios, cotas, benefícios e privilégios nababescos por péssimo serviço prestado à população. Agressividade, ou ultraje, ou provocação — sentimentos despertados nos brasileiros provocados pelo teor de marchinhas? Me engana que eu gosto!
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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