Primeiro

Quem não sonhou ser o primeiro? Aquele que sobe no pódio recebe medalha, faixa de campeão, flores das mãos da mocinha maravilhosa

01/12/2017 | Tempo de leitura: 2 min

Quem não sonhou ser o primeiro? Aquele que sobe no pódio recebe medalha, faixa de campeão, flores das mãos da mocinha maravilhosa no sumário biquíni? Quem nunca sonhou com isso? Quem não recebeu incentivo para ser simplesmente o máximo e descobrir a solução de problema dito insolúvel, a aplicação original de complicado teorema, ou resposta digna de prêmio global? Ser o máximo. Nunca errar. Estar à frente. Puxar o cordão. Ser notado. Ter fama. Em lugar público, ser a concentração de todos os olhares, foco das atenções. Quem nunca idealizou algo semelhante?
 
Nos nossos sonhos de infância predominava a ideia de superioridade. Nos sonhos dos adolescentes prevalecia o ideal da perfeição. Infelizmente nos devaneios adultos esse ranço volta à ativa, e volta e meia nos pegamos contando vantagens. Pior, às vezes nos auto promovendo como quebradores de recordes. Isso é humano. O problema é que se torna desumano para nós mesmos; somos treinados e preparados para o sucesso pleno e nem de longe se toca na frustração.
 
Há anos, o Ultraje a Rigor colocou no mercado o clássico intitulado Terceiro. Assim, não foram livros de filosofia ou textos de psicanálise, mas a letra da música do líder Roger que serviu de alerta sobre o sofrimento causado por querer ser a melhor, e o quanto seria bom buscar ser apenas aquela que pega o bronze. A letra, clássica, conta da angústia daquele que se prepara para competir, sonha com a vitória, mas já coloca no refrão que, embora sonhasse chegar na frente, ser o primeiro, contenta-se em ser o terceiro, que “oba, oba! Já tá louco de bom”. E apresenta as razões. 
 
Ser o Primeiro é horrível. Pódio, notoriedade, depois medo de ser desclassificado, ou dar balão. Estresse na busca por novas marcas de superação. Alguém perto de suas marcas, é ameaça. Fica sempre sozinho, encolhido, vive cercado por papagaios de piratas e de pessoas de afeto discutível. Jamais comemora a vitória porque precisa ver, acompanhar e analisar o desempenho de todos os participantes. Ser o Segundo é frustrante. Não é o melhor, nem o pior. Busca incessantemente superar marcas, fica obcecado com o sonho de ser o primeiro. Tem medo de cair e se auto-flagela, se culpa porque perdeu para outro reconhecidamente melhor que ele. Não raro, as avaliações mostram muito mais as causas da perda, que as qualidades alcançadas. O Segundo comemora tomando todas, para se consolar, para esquecer. O Terceiro realiza o sonho de estar entre os melhores: se descer, tudo bem, porque já subiu mesmo. Subir, nem pensar, porque já percebeu as angústias do Primeiro e dificuldades do Segundo. Ganha medalha e fama, além do esperado. Mostra-se mais feliz, mais sorridente, mais seguro. Sai do palco vitorioso, desce do pódio com sensação de triunfo e glória, toma pileque homérico para comemorar junto com gregos e troianos. Não é invejado, não é cobrado e é muito cumprimentado. Ô meu Deus! Por que não descobri isso mais cedo?
 
Repaginada e reescrita. 10 de junho de 2000
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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