Intolerâncias

Era teste, disseram. Você vem pelas ruas, sozinho, tarde da noite. De repente percebe que, em direção contrária à sua, dois homens

24/11/2017 | Tempo de leitura: 2 min

Era teste, disseram. Você vem pelas ruas, sozinho, tarde da noite. De repente percebe que, em direção contrária à sua, dois homens se cruzarão com você em instantes. Um é branco, outro é negro. Um numa calçada, outro, na outra. Pergunta-se: qual lado da rua você escolherá para continuar sua caminhada, com aparente segurança? Não quero resposta. Essas, e outras questões semelhantes, pretendiam há alguns anos, medir o grau de intolerância e rejeição das pessoas ditas brancas às pessoas ditas negras, da nossa sociedade, embora motivos para nos rejeitarmos uns aos outros não faltem: sexualidade, peso, idade, origem, gênero, raça, perfeição física, beleza. Cor da pele é apenas um deles, e todos os critérios que embasam qualquer rejeição, igualmente, ácidos.
 
Amiga chegara tarde da noite no apartamento alugado em condomínio bacana na praia. Abriu a bolsa, pegou a chave, quando o carro parou a poucos metros e ela viu descerem de forma estabanada duas crianças, um rapaz, mais mulher, todos afro-descendentes. Faziam algazarra danada e ela se assustou. Lembrou-se dos avisos para manter a porta de entrada fechada, não dar passagem para pessoas desconhecidas. As crianças estavam sujas, aparentemente mal vestidas, descalças. Ela não viu os adultos direito. Ao perceber a aproximação ruidosa dos meninos, imediatamente entrou, bateu o portão... quando reconheceu o acompanhante. Era Hélio de La Peña, conhecido comediante, no auge por aquela época. Os meninos, seus filhos. Se o chão se abrisse, ela entraria, mesmo que fosse dar no inferno. Envergonhadíssima, pediu desculpas, ele delicadamente disse que entendia o susto, deu razão a ela, a aparência dos garotos em nada favorecia o momento. Preconceito? Sim. Racismo? Sim. E você, o que faria no lugar dela? 
 
No começo do século passado, em Uberabinha, Rita Francisca, branquíssima, de família mineira importante, se apaixonou e se casou com garboso rapaz chamado Joaquim, mulato, quase negro. Ninguém na família jamais verbalizou, mas todos se perguntavam no íntimo, como acontecera tal união de personagens tão díspares na, literalmente, superfície. Ela acompanhou o marido, saíram de lá para o Paraná onde tinha mais araucárias que gente, nunca disse se para fugir de críticas ou em busca de vida melhor. Eles eram meus avós maternos. 
 
Já deixei de ser convidada para festas na infância, porque mamãe era “boleira” e “costureira”. Há casamentos que não se realizaram porque um dos noivos era ou gordo, ou baixinho, ou feio, ou anão, ou muito mais velho. Crianças já foram proscritas do convívio familiar por causa de alguma doença que prejudicava sua aparência. Já me olharam feio porque convivo com amigos transexuais. Vai ser mais fácil eliminar o gene da corrupção, que dizem estar presente na nossa composição, que neutralizar aquele da intolerância pelo diferente, também conhecida como preconceito.
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br

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