“Finalmente, depois de todas as outras criações, Deus inventou o Homem, concebido à Sua imagem e semelhança”. Esse Homem, inicialmente dotado de atributos divinos, se desenvolveu, faria ao longo de sua evolução descobertas notáveis, desvendaria o mistério de sua própria criação, conseguiria fazer incursões pelo Universo. Partícipe de uma ordem perfeita e organizada, lentamente e cada vez mais fica distante dos exemplos de sua circunstância. Incrível e insensato Homem! Sabe que sua vida, comparada a uma simples pedra, é curta e efêmera. Age de forma egoísta, como se a existência de todas as coisas se resumisse naquelas poucas décadas a que tem direito, como ser vivo e frágil que é.

 

Maravilhoso e limitado Homem! Descobriu, desvendou mistérios e tem consciência do funcionamento de sua racionalidade. É, entretanto, incapaz de controlar seu lado irracional, embora consiga elaborar desculpas para justificar sua animosidade e intolerância. Fantástico e violento Homem! Inventou aparelhos que encurtam distâncias tornando o mundo pequeno, porém dificilmente consegue se entender com seus semelhantes. Interfere de forma prepotente na vida dos que lhe são estranhos, determina arbitrariamente os rumos de sociedade das quais não participa, pelo simples desejo de dominar e querer instalar o que considera correto, segundo seus princípios.

 

Fabuloso e egocêntrico Homem! Desenvolveu locais de estudo absurdamente equipados onde toma conhecimento da impressionante diversidade de saberes e opiniões de estudiosos em áreas complicadas e incomuns. Toda a ciência que armazenou não o habilita a se auto-analisar e muito menos que faça julgamento imparcial da moralidade de suas atitudes. É inábil no tratamento com seus iguais. Despreza os que não se encaixam nos seus padrões, desvaloriza os diferentes. Espetacular e inconsequente Homem! Estudou e descobriu a etiologia da maioria das doenças a que está sujeito, pode curá-las. Inventou formas requintadas para exterminar seus desafetos. Utiliza-se do nome de Deus para matar e não raro ganha condecorações pela façanha.

 

Patético, mesquinho e estranho Homem! Teoriza sobre Direito, Respeito, cria organizações para controlar e dar parâmetros às relações entre os países e não consegue acatar democraticamente decisões majoritárias. Criou o conceito, sem captar o verdadeiro sentido de Autonomia. Pobre e paradoxal criatura, divinamente concebida. Era para ser a mais importante figura e, dentro de uma hierarquia, o responsável por toda a criação de Deus mas, desviando-se da perfeição que poderia alcançar pelas características de sua origem, veio a ser, apenas, a mais agressiva de todas as obras divinas. Como na caixa de Pandora, ainda nos resta a Esperança. Afinal a mão que empunha armas tem semelhança com aquela que criou pinturas, esculturas e escreveu os mais lindos poemas e histórias de amor. 

 

Lúcia Helena Maníglia Brigagão

Jornalista, escritora, professora

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