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Nem me chamar de querida para forçar intimidade, ou enfiar a mão no meu prato, para tirar uma batatinha. Ou desligar o telefone na minha cara,

30/06/2017 | Tempo de leitura: 2 min

Nem me chamar de querida para forçar intimidade, ou enfiar a mão no meu prato, para tirar uma batatinha. Ou desligar o telefone na minha cara, ao ser constatado engano. Nem perceber gente furando fila com ar cínico dos aproveitadores; o trinado forçado da voz dos cantores sertanejos; o atravessador de fila que justifica o nefando ato com a desculpa “é só uma informaçãozinha!...” Nem ver jogar papel de bala ou embrulho, casca de fruta ou bagaço de laranja na rua; ou aceitar passivamente bagunça e falta de educação porque “criança é assim mesmo”. Nem emprestar algo e recebê-lo danificado ou mexer nos meus livros, alterar ordem e violar segredos guardados neles. O arredondamento de valores quebrados nas contas, em benefício do lojista; interditarem minha entrada em algum estabelecimento, por causa da bolsa a tiracolo. Nem isso! 
 
Nem quando, no trânsito, sou pega de surpresa pois o motorista do carro, moto, ou bicicleta à minha frente omitiu suas intenções. Aguentar criança brincar de buzinar no carro sob a complacência do acompanhante adulto e em baixo da minha janela; nas lojas, aguardar o término da conversa das balconistas para ser atendida; pedir o produto X, esperar, e me apresentarem produto Y, o oposto da solicitação, nem assim! Tomar chá de cadeira, principalmente se cuidei de marcar antecipadamente a hora para atendimento. Servir de cobaia para treinamento profissional de balconistas e caixas, no dia corrido das compras mensais para reposição de estoque doméstico. 
 
Nem quando em shows musicais, ouço a pessoa ao lado fazer dueto e competir na altura da voz com o artista. Nem os atrasos de duas horas nos shows do Roberto Carlos. Nem o som de celular em cerimônias ou locais que exigem silêncio. Nem o retardatário que espreme aqueles que levantaram mais cedo para garantir seus lugares. Nem quando eu fumava e figurinhas marcadas pediam “um cigarrinho”, incapazes de manter o próprio vício. Ou avançarem no meu copo de cerveja recém chegado, dizendo ao mesmo tempo, “me dá um golinho? Nem adulto falando feito criança para ser engraçado ou impressão de doçura e sensibilidade. Nem eu me flagrar agindo da forma que reprovo nos outros, nem isso! Nada, nada mesmo, me irrita mais que o apelido de “tia”, tornado normal nessa época em que respeito, suposto afeto e forma de tratamento estão vinculados e bastante misturados. 
 
O Tio, ou Tia, usados indiscriminadamente, descaracterizaram e indefiniram importantes relações sociais, familiares e profissionais quando fez do professor, ou das pessoas mais velhas, um parente forçado. Acho irritante e me recuso a ser tia de quem mal conheço ou nunca vi mais gordo.
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br

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