Ritos

Sempre, quando marco alguma viagem, procuro informações e dicas sobre meu destino. Antes eu o fazia através de depoimentos

24/03/2017 | Tempo de leitura: 2 min

Sempre, quando marco alguma viagem, procuro informações e dicas sobre meu destino. Antes eu o fazia através de depoimentos de pessoas que conheciam os lugares que visitaria, pesquisava em livros e revistas e, também, procurava filmes que sabia terem sido locados naquelas cidades do meu roteiro. Preparei viagens seguindo esse protocolo por anos, até que surgiram, pela ordem a Internet, o Google e o TripAdvisor. E minhas viagens nunca mais foram as mesmas. Bem, o entusiasmo de sair e conhecer coisas novas, mais a certeza de que se aprende viajando, permanecem inalterados. Vai ver que, por isso, aproveito tanto. 
 
Conhecer Paris, por exemplo, foi sonho acalentado por anos e sempre adiado em função desse ou daquele motivo. Quando pisei na cidade pela primeira vez, entendi perfeitamente o sentido da expressão, coincidentemente francesa, déjà vu. Ao conhecer outros lugares, ainda tenho aquele frio na barriga de excitação, o mesmo de quando se realiza qualquer sonho. Todavia, as imagens que concretizo ao vê-los, me são familiares, de tanto fuçar na internet. 
 
Preparar viagem para a Sicília tem sido para mim, sem dúvida, algo emocionante, além de prazeroso, divertido e interessante. Tenho pé naquelas paragens, origem que me permite declarar-me mafiosa em alguns aspectos internos: explosiva, apimentada, chorona, pavio curto, impaciente, rancorosa, inflexível, teimosa. Naquela ilha estiveram gregos, romanos, fenícios, bárbaros, bizantinos, árabes, normandos, espanhóis que, pelo visto, deixaram marcas que se manifestam nos seus mais remotos descendentes. A ilha é cenário de filmes antológicos, principalmente os dirigidos por Giuseppe Tornatore como o premiado Cinema Paradiso, O homem das estrelas e o delicioso Malena que concorreu a muitos prêmios em 2001. 
 
A história. Numa pequena vila siciliana — que na realidade é Siracusa — durante a Segunda Guerra Mundial, o menino Renato fica obcecado pela bela Maddalena Scordia, aliás como todos os homens, de todas as idades, do lugar. O assédio masculino se intensifica quando ela enviúva. Renato usa calças curtas no começo, ganha calças compridas no desenrolar do filme. É uma festa vê-lo experimentar o traje, que significava passaporte para ingresso no mundo adulto. Lembrei-me de André, meu irmão, quando pôs calças compridas pela primeira vez. Foi tão festejado, fotografado, comemorado, sentiu-se tão adulto, que só faltou pedir cigarro e taça de vinho para vovó Lila e vovô Nicola. 
 
Ao rever o filme, desandei a pensar quão significativos foram esses momentos dos adolescentes de antigamente, verdadeiros ritos de passagem, constituídos pela primeira calça comprida; primeira saída à noite sozinho; primeiro porre; primeira paixão. Os de hoje são muito mais espertos, desenvoltos. Pergunto-me se serão mais felizes, sem celebrações institucionais aguardadas e mágicas, ainda que sejam premiados com a tecnologia disponível, inimaginável naquela época.
 
Lúcia Helena Maníglia Brigagão
Jornalista, escritora, professora
luciahelena@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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